Entrevista a José Carlos Brandão Teles, um testemunho de preservação em primeira pessoa de um arquivo familiar.

Archivoz: Em que momento despertou o seu interesse para a história da sua família?

José Carlos Brandão Teles: Em 1980 faleceu o meu tio Né (Manuel José da Costa Brandão), o irmão mais velho da minha Mãe, Maria Angelina (da Costa Brandão). Pouco tempo depois, recebi da esposa e minha tia, Maria Amélia (Pimentel Cavaleiro Brandão), cópias de umas notas genealógicas intituladas “Brandões e outras linhagens” a eles ligados de forma direta, laboriosamente elaboradas por volta da década de 1950 por esse meu tio.

Tratava-se de um manuscrito (que intitulei “Apontamentos do tio Né”) com cerca de duzentas páginas e uma letra de difícil leitura, pelo que não me restou outra hipótese, com muita pena minha, senão guardá-lo numa gaveta.

Passados 20 anos, por volta do ano 2000, chegou-me por acaso uma notícia de um jovem historiador que se dedicava profissionalmente à genealogia, Rodrigo Ortigão de Oliveira (sobrinho-trineto do escritor Ramalho Ortigão). Contactei-o e mostrei o trabalho do meu tio tendo, algum tempo depois, aceitado o encargo de desenvolver a sua própria investigação sobre as minhas raízes familiares. Não lhe dei qualquer indicação ou diretiva, até porque o meu desconhecimento nestas matérias era total. Na minha família, nunca se comentava nada sobre os nossos antepassados, por isso era todo um universo familiar a descobrir.

Quatro anos depois, surpreendeu-me com o resultado dessa investigação, pois além dos Brandões tinha estudado mais trinta e três linhagens maternas e seis paternas, com cerca de 1200 (antepassados diretos, num estudo genealógico de 118 páginas.

Archivoz: E como foi a partilha destes novos dados pelos seus familiares?

José Carlos Brandão Teles: Partilhei-o na altura com um número reduzido de familiares mais próximos. E assim ficou, parado durante mais alguns anos. Até que, em 2016, soube -outro acaso-  que no Arquivo Histórico do Porto, situado na Casa do Infante, se encontrava um valioso espólio de 66 pergaminhos datados entre os séculos XIV a XVII,I oriundo da família dos Brandões Pereira do Porto, linhagem que entroncava diretamente com as minhas tetravó (Bernarda de Assis Brandão Pereira Perestrelo) e trisavó (Ana Prussiana de Assis Brandão Pereira Perestrelo) maternas.

Também Por essa época, mais precisamente em 2016, tive acesso a um vasto legado de documentos familiares (mais de 2 mil páginas), com datas entre o ano de 1782 até meados do século XX, feliz e surpreendentemente conservado pela irmã mais nova da minha mãe, a tia Mariazinha (Maria Joaquina da Costa Brandão).

Archivoz: E depois?

José Carlos Brandão Teles: Considerei ter um novo ponto de partida. Estes dois espólios levaram-me a procurar ir mais além, investigando noutras direções. Norteou-me um fio condutor: não conhecer mais antepassados diretos além dos descritos no estudo do Rodrigo Ortigão de Oliveira, mas conhecê-los melhor. Quem eram, quando nasceram, onde viveram, como decorreu a sua vida familiar…

Archivoz: E como desenvolveu este seu projeto, a partir destes dados?

José Carlos Brandão Teles: Para isso, pude contar com valiosas ajudas que passo a enumerar:

  1. a) Primeira, a preciosa coleção de pergaminhos que atrás referi.
  2. b) Depois, o vasto espólio documental da tia Mariazinha.
  3. c) Finalmente, o apoio de quatro especialistas que procurei coordenar e passo a indicar:

* O Dr. Rodrigo Ortigão de Oliveira, genealogista com obra publicada, com o Estudo Genealógico desenvolvido entre 2000 e 2004 e já referido.

* O Dr. Nuno Borrego genealogista autor de vários livros,  com intervenções pontuais entre 2020 e 2022.

* A Dra. Alexandra Vidal, arquivista, a colaborar desde meados de 2022 na leitura e transcrição dos documentos antigos, bem como na exploração de outras pistas que ajudassem a um enquadramento histórico das nossas linhagens familiares, sendo absolutamente decisivo o seu trabalho na grande progressão que tivemos a partir de 2022.

* O Mário de Vasconcelos, genealogista também com obras publicadas, com intervenções pontuais em 2024.

Archivoz: Qual o cuidado que teve no tratamento desta informação, baseou-se em algum critério?

José Carlos Brandão Teles: Aqui chegado, passarei a enunciar os temas estudados e organizados informaticamente em pastas colocadas no Google Drive, para partilha e preservação digital, conforme se segue:

PASTA 1- ÁRVORES DE COSTADOS MATERNA E PATERNA 

Inclui duas pastas com as minhas árvores de costados materna e paterna da autoria do Dr. Nuno Borrego, dois ficheiros com as minhas árvores de costados materna e paterna da autoria do Dr. Rodrigo Ortigão de Oliveira e um ficheiro com a árvore de descendentes do meu 12° avô pela linhagem dos Brandões, João Brandão.

PASTA 2- ASSENTOS E SUAS TRANSCRIÇÕES 

Inclui 246 assentos de nascimento, batismo, casamento e óbito, que vão desde 1540, o que é curioso, pois o registo dos batismos em livro próprio só passou a ser obrigatório a partir de 1563 por força de uma norma do Concílio de Trento até 2024. A obrigatoriedade dos registos de óbito só se iniciou em 1614.

PASTA 3- BIBLIOGRAFIA

Com a ajuda do genealogista Mário de Vasconcelos, organizamos uma vasta bibliografia (cerca de 8 mil páginas) para dar algum enquadramento bibliográfico a este trabalho. O conjunto poderá dividir-se em três partes:

  1. a) Bibliografia direta sobre as nossas linhagens, por exemplo…

– O Solar dos Brandões

– Os Brandões do Porto

– Os Brandões e a Torre de Coreixas

– Os Brandões – Origens e Varonia

– Moreiras de Tarouquela

– O Morgadio de Fontelas

– Os Perestrellos, uma família de Piacenza no Império Português (século XVI)

– Sousas Chichorro e Sousas de Arronches

  1. b) Bibliografia genérica, mas relacionada com este estudo, por exemplo…

– Vinculum Project

– Linhagens Medievais

– O Morgadio em Portugal

– Morgadios e Vínculos

– Arquivos de Família, Memórias Habitadas

– A Terra de Penafiel na Idade Média (875-1308)

PASTA 4 – BRANDÕES DO BRASIL 

No último quartel do século XIX, três irmãos do meu avô materno rumaram para o Brasil julgo que, anteriormente, já lá estavam parentes próximos, pormenor que tentarei confirmar e, na documentação deixada pela minha tia, encontrei a correspondência dos “Brandões do Brasil” que está nesta pasta devidamente inventariada (remonta ao período de 1893 a 1925). Irei estudá-la com o apoio dos referidos investigadores, para tentar reconstruir um pouco a “viagem” destes Brandões.

Archivoz: Já agora, referiu que salvaguarda os documentos em formato digital, mas em termos físicos quais foram os seus cuidados?

Considerei fundamental restaurar muitos destes documentos, trabalho que ficou a cargo de especialistas em restauro.

Posteriormente, a conselho dos mesmos, adquiri material acid-free para o devido acondicionamento e preservação.

Já agora, acrescento que pretendo inventariar, com o apoio dos referidos investigadores, todo esse espólio de mais de 2000 páginas. Estamos agora a tratar da transcrição de uma boa parte desses documentos, trabalho que estimamos dure cerca de dois anos. No final e partindo deste material, tentaremos reconstituir algumas peças do puzzle da nossa história familiar, de modo a conseguir uma “fotografia geral”, ainda que enevoada, nunca saberemos tudo sobre os nossos antepassados!

 

Archivoz: Já agora, possui arquivo fotográfico?

José Carlos Brandão Teles: Para minha surpresa “tropecei” há poucos meses num velho saco com mau espeto (também da “tia Mariazinha”), nele encontrando um interessantíssimo conjunto de dezenas de fotografias dos Brandões de Brasil, de 1885 a meados do século XX. Tivemos ocasião de as inventariar cuidadosamente, anotando inclusive as casas fotográficas do Brasil e de Portugal que as realizaram (algumas, já desaparecidas, são hoje uma referência histórica nos dois países…).

As fotografias em ainda não estão colocadas nesta pasta, pois ocupam muita memória e temos de encontrar uma solução para o fazer.

Archivoz: Agradecendo, este seu precioso contributo, o que poderia dizer a quem pretenda organizar o seu arquivo de família?

José Carlos Brandão Teles: Antes de mais, queria agradecer esta oportunidade de partilha da minha experiência que espero que seja útil. No meu entender, um arquivo de família mais do que uma memória restrita a um determinado núcleo de pessoas, é um testemunho de um determinado local, de uma época, de uma cultura.

Por vezes, caímos na tentação de deitar fora os “papéis velhos” da família, mas são muitas vezes esses pedaços de papel que ajudam a fazer História, seja ela familiar ou outra, ela não se faz apenas de grandes acontecimentos mas de pequenas coisas, pessoas comuns, acontecimentos ditos banais, a História é um puzzle e são os arquivistas que ajudam na sua montagem, outros viram para observar, interpretar os eventos e divulga-los. O importante é estar atentas aquelas caixas e caixinhas que vão aparecendo nas nossas casas, pequenos mistérios das nossas memórias.

 

Entrevistado:

José Carlos Brandão Teles

José Carlos Brandão Teles

José Carlos Brandão Teles é licenciado em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, mas tem dedicado a sua vida profissional à gestão de grandes grupos empresariais em Portugal. No início da sua carreira, entre 1974-1978, trabalhou numa grande instituição pública da Segurança Social, tendo integrado  nos dois últimos anos o respectivo órgão de governo. 

Entre 1978-2018 fez parte dos órgãos executivos de topo de um dos maiores grupos empresariais portugueses, tendo desempenhado diferentes funções de alta direção durante esses quarenta anos.
A partir de 1987, a título voluntário, até ao presente faz parte dos órgãos sociais da  Associação Portuguesa de Management (uma das principais associações de gestores em Portugal) ocupando lugares de presidência e vice-presidência na Direção, no Conselho Fiscal e na Assembleia Geral.
 
2014-2017: membro da Comissão Especial dos Colégios Fomento, uma instituição de referência no ensino básico e intermédio português (a título pro bono).
2017-2021: membro do Conselho Geral e de Supervisão dos Colégios Fomento  (a título pro bono).

Entrevistador:

Alexandra María Silva Vidal

Alexandra María Silva Vidal

Editor di contenuti

Doctorada por la Facultad de Ciencias de la Documentación – Universidad Complutense de Madrid
Jefe de Archivo de la Venerable Orden de S. Francisco de Oporto (Portugal)

Share This