(Archivoz) Não sendo de todo da área dos arquivos, como é que uma investigadora de química veio ter a este mundo da documentação?
(Catarina Santos) A minha área de base é efetivamente a Química, embora sempre tenha tido muito gosto pela História. O estudo dos selos de chumbo do Arquivo da Universidade de Coimbra foi um desafio proposto pela Profª. Doutora Maria José de Azevedo Santos, à data Diretora dessa Instituição. Foi por sua iniciativa que o Departamento de Química da F.C.T.U.C. foi contactado, na pessoa do Prof. Doutor António Rocha Gonçalves, Professor Catedrático de Química Orgânica (entretanto Jubilado). Foi desta forma que me encontrei ligada a este projeto, aliando temáticas, à partida tão distantes, da Química e da Documentação. O estudo da corrosão e posterior conservação e preservação dos selos de chumbo teve início com o financiamento da Universidade de Coimbra e depois com um projeto financiado pela FCT. O meu trabalho de Mestrado (concluído em 2008) e depois de Doutoramento (por terminar, agora sob orientação da Profª. Doutora Teresa Pinho e Melo) seguem esse tema.
(Archivoz) Sendo a área da sigilografia, muito específica por si mesma, o que a despertou para a conservação e preservação dos selos de chumbo?
(Catarina Santos) A sigilografia, enquanto área de conhecimento que visa estudar modos de fechar, identificar e validar objectos e documentos, assume a sua importância e tem sido objeto de estudo por investigadores da área da História. No entanto, tem tido de certa forma um papel secundário em relação à Paleografia, no que diz respeito à conservação. O estudo da Sigilografia tem-se centrado no estudo do selo em si, como forma de transmissão de conhecimento, recebendo pouca atenção enquanto objeto de estudo do ponto de vista da sua composição, efeitos sofridos por ação do meio ambiente e de conservação e restauro. Os documentos gráficos e os selos de cera (estes últimos especialmente no estrangeiro) são estudados e restaurados por conservadores-restauradores. Os selos de chumbo recebem menos “atenção” pois requerem um conhecimento diferente, na área da Química, ao qual poucos se dedicam, mesmo a nível internacional. O Arquivo da Universidade de Coimbra solicitou atenção específica sobre os selos de chumbo, pelo que a nossa investigação foi focada nesses objetos, a qual me fascinou.
(Archivoz) Qual o panorama que encontrou?
(Catarina Santos) O primeiro passo foi efetuar um inventário de toda a coleção, com a preciosa ajuda do Dr. Abílio Queirósƚ e da Dra. Ana Maria Bandeira (do AUC). De modo a poder elaborar um plano de estudo e preservação, foi necessário registar uma série de dados, incluindo fotografias de cada selo de chumbo e outras informações, que assumiam mais importância (e relevância) do ponto de vista fisico-químico, que do ponto de vista arquivístico. Foi criada uma base dados e uma ficha de conservação dos selos de chumbo, de modo a estabelecer uma escala de corrosão. Esta escala permitiu classificar os selos de chumbo com vista à sua posterior preservação e restauro (dentro do possível). Os selos foram classificados de acordo com o seu grau de corrosão, de 1 (poucos ou nenhuns produtos de corrosão) a 5 (quase todo/todo o selo convertido em sais de chumbo). Muitos destes selos já não podiam ser intervencionados, correndo o risco de levar à sua completa destruição, enquanto outros se encontravam perfeitamente preservados. Um metal tem um comportamento muito diferente da cera, que é, de certa forma, mais “resistente”. No decurso da pesquisa efetuada sobre estes objetos, foi possível encontrar um artigo escrito pelo Mons. Aldo Martini (MARTINI, Aldo. “Enquête sur l’état de conservation des bulles pontificales de plomb conservées aux archives secrètes du Vatican”. Janus. 1993, pág. 41‑47), no qual se descrevia uma escala muito semelhante, e nos permitiu comparar o estado de corrosão de selos de chumbo dum mesmo Papa e duma mesma época. O estudo da composição elemental de um grande número de selos de chumbo foi por nós efetuado no Departamento de Física da F.C.T.U.C.. O tratamento de preservação de vários selos de chumbo foi efetuado num laboratório do Departamento de Química, com bons resultados.
(Archivoz) Os arquivos foram sensíveis à sua investigação? Mudaram de atitude e métodos de acondicionamento para melhor preservarem essa herança tão negligenciada?
(Catarina Santos) O Arquivo da Universidade mostrou-se recetivo às sugestões efetuadas. A primeira sugestão foi, naturalmente, mudar as condições de armazenamento, transferindo os documentos com selos de chumbo dos armários de madeira para armários metálicos, o que aceite e efetuado. Os vapores acídicos emitidos pela madeira são um dos principais responsáveis pelo estado de corrosão avançado evidenciado por muitos selos. A resistência à mudança prende-se muitas vezes com a falta de meios económicos para alterar as condições de armazenamento e não com a falta de recetividade das sugestões dos químicos. Dito isto, é perfeitamente compreensível que do ponto de vista arquivístico cause alguma reserva, pois os documentos estão catalogados por uma determinada ordem, como por exemplo, da sua proveniência.
(Archivoz) Considera que há caminho para desbravar mais investigação nesta área? O que falta?
(Catarina Santos) Esta área da Química aplicada ao estudo de Património Cultural ainda é relativamente recente em Portugal, particularmente com este tipo de objeto de estudo. Ainda existe um longo caminho a percorrer.
No decurso do projeto de Doutoramento, foi possível colaborar com o Arquivo Distrital de Braga, pelo que agradeço ao Dr. António Sousa (Diretor) e à Dra. Sandra Menezes, que permitiram que fotografasse todos os selos de chumbo dessa Instituição. A possibilidade de incluir selos de chumbo armazenados em diferentes condições, permitiu estabelecer comparações que estão a ser muito úteis. Dado que cada Arquivo tem um número relativamente reduzido de selos de chumbo de um determinado Papa ou Rei, isso dificulta a comparação e uma análise estatística que permita retirar mais conclusões das análises efetuadas. A existência de bases de dados de Arquivos e Museus, em particular com fotografias, facilitaria muito o trabalho. A diferença de linguagem entre arquivistas e químicos (ou físicos) nem sempre permite uma troca de ideias facilitada. A título de exemplo genérico, os arquivistas falam em “kilómetros de documentação” mas do nosso ponto de vista faltava a informação sobre o tipo de selo, se este estava ainda ligado ao documento ou referir apenas “um selo em bom estado” não fornece grande informação. A falta de bases de dados nacionais e de financiamento impede a continuidade deste trabalho, que já permitiu acumular um grau de conhecimento teórico e técnico bastante razoável.

(Archivoz) Não sendo de todo da área dos arquivos, como é que uma investigadora de química veio ter a este mundo da documentação?
(Catarina Santos) A minha área de base é efetivamente a Química, embora sempre tenha tido muito gosto pela História. O estudo dos selos de chumbo do Arquivo da Universidade de Coimbra foi um desafio proposto pela Profª. Doutora Maria José de Azevedo Santos, à data Diretora dessa Instituição. Foi por sua iniciativa que o Departamento de Química da F.C.T.U.C. foi contactado, na pessoa do Prof. Doutor António Rocha Gonçalves, Professor Catedrático de Química Orgânica (entretanto Jubilado). Foi desta forma que me encontrei ligada a este projeto, aliando temáticas, à partida tão distantes, da Química e da Documentação. O estudo da corrosão e posterior conservação e preservação dos selos de chumbo teve início com o financiamento da Universidade de Coimbra e depois com um projeto financiado pela FCT. O meu trabalho de Mestrado (concluído em 2008) e depois de Doutoramento (por terminar, agora sob orientação da Profª. Doutora Teresa Pinho e Melo) seguem esse tema.
(Archivoz) Sendo a área da sigilografia, muito específica por si mesma, o que a despertou para a conservação e preservação dos selos de chumbo?
(Catarina Santos) A sigilografia, enquanto área de conhecimento que visa estudar modos de fechar, identificar e validar objectos e documentos, assume a sua importância e tem sido objeto de estudo por investigadores da área da História. No entanto, tem tido de certa forma um papel secundário em relação à Paleografia, no que diz respeito à conservação. O estudo da Sigilografia tem-se centrado no estudo do selo em si, como forma de transmissão de conhecimento, recebendo pouca atenção enquanto objeto de estudo do ponto de vista da sua composição, efeitos sofridos por ação do meio ambiente e de conservação e restauro. Os documentos gráficos e os selos de cera (estes últimos especialmente no estrangeiro) são estudados e restaurados por conservadores-restauradores. Os selos de chumbo recebem menos “atenção” pois requerem um conhecimento diferente, na área da Química, ao qual poucos se dedicam, mesmo a nível internacional.
O Arquivo da Universidade de Coimbra solicitou atenção específica sobre os selos de chumbo, pelo que a nossa investigação foi focada nesses objetos, a qual me fascinou.
(Archivoz) Qual o panorama que encontrou?
(Catarina Santos) O primeiro passo foi efetuar um inventário de toda a coleção, com a preciosa ajuda do Dr. Abílio Queirósƚ e da Dra. Ana Maria Bandeira (do AUC). De modo a poder elaborar um plano de estudo e preservação, foi necessário registar uma série de dados, incluindo fotografias de cada selo de chumbo e outras informações, que assumiam mais importância (e relevância) do ponto de vista fisico-químico, que do ponto de vista arquivístico. Foi criada uma base dados e uma ficha de conservação dos selos de chumbo, de modo a estabelecer uma escala de corrosão. Esta escala permitiu classificar os selos de chumbo com vista à sua posterior preservação e restauro (dentro do possível). Os selos foram classificados de acordo com o seu grau de corrosão, de 1 (poucos ou nenhuns produtos de corrosão) a 5 (quase todo/todo o selo convertido em sais de chumbo). Muitos destes selos já não podiam ser intervencionados, correndo o risco de levar à sua completa destruição, enquanto outros se encontravam perfeitamente preservados.
Um metal tem um comportamento muito diferente da cera, que é, de certa forma, mais “resistente”. No decurso da pesquisa efetuada sobre estes objetos, foi possível encontrar um artigo escrito pelo Mons. Aldo Martini (MARTINI, Aldo. “Enquête sur l’état de conservation des bulles pontificales de plomb conservées aux archives secrètes du Vatican”. Janus. 1993, pág. 41‑47), no qual se descrevia uma escala muito semelhante, e nos permitiu comparar o estado de corrosão de selos de chumbo dum mesmo Papa e duma mesma época.
O estudo da composição elemental de um grande número de selos de chumbo foi por nós efetuado no Departamento de Física da F.C.T.U.C.. O tratamento de preservação de vários selos de chumbo foi efetuado num laboratório do Departamento de Química, com bons resultados.
(Archivoz) Os arquivos foram sensíveis à sua investigação? Mudaram de atitude e métodos de acondicionamento para melhor preservarem essa herança tão negligenciada?
(Catarina Santos) O Arquivo da Universidade mostrou-se recetivo às sugestões efetuadas. A primeira sugestão foi, naturalmente, mudar as condições de armazenamento, transferindo os documentos com selos de chumbo dos armários de madeira para armários metálicos, o que aceite e efetuado. Os vapores acídicos emitidos pela madeira são um dos principais responsáveis pelo estado de corrosão avançado evidenciado por muitos selos. A resistência à mudança prende-se muitas vezes com a falta de meios económicos para alterar as condições de armazenamento e não com a falta de recetividade das sugestões dos químicos. Dito isto, é perfeitamente compreensível que do ponto de vista arquivístico cause alguma reserva, pois os documentos estão catalogados por uma determinada ordem, como por exemplo, da sua proveniência.
(Archivoz) Considera que há caminho para desbravar mais investigação nesta área? O que falta?
(Catarina Santos) Esta área da Química aplicada ao estudo de Património Cultural ainda é relativamente recente em Portugal, particularmente com este tipo de objeto de estudo. Ainda existe um longo caminho a percorrer.
No decurso do projeto de Doutoramento, foi possível colaborar com o Arquivo Distrital de Braga, pelo que agradeço ao Dr. António Sousa (Diretor) e à Dra. Sandra Menezes, que permitiram que fotografasse todos os selos de chumbo dessa Instituição. A possibilidade de incluir selos de chumbo armazenados em diferentes condições, permitiu estabelecer comparações que estão a ser muito úteis. Dado que cada Arquivo tem um número relativamente reduzido de selos de chumbo de um determinado Papa ou Rei, isso dificulta a comparação e uma análise estatística que permita retirar mais conclusões das análises efetuadas. A existência de bases de dados de Arquivos e Museus, em particular com fotografias, facilitaria muito o trabalho. A diferença de linguagem entre arquivistas e químicos (ou físicos) nem sempre permite uma troca de ideias facilitada. A título de exemplo genérico, os arquivistas falam em “kilómetros de documentação” mas do nosso ponto de vista faltava a informação sobre o tipo de selo, se este estava ainda ligado ao documento ou referir apenas “um selo em bom estado” não fornece grande informação.
A falta de bases de dados nacionais e de financiamento impede a continuidade deste trabalho, que já permitiu acumular um grau de conhecimento teórico e técnico bastante razoável.
Autoría de las imagenes a Catarina Santos

Catarina Santos
Aluna de Doutoramento da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade de Coimbra (FCTUC)
Licenciada em Química pela FCTUC e Mestre em Química Aplicada ao Património Cultural pela Faculdade de Ciências da Universidade de Liboa (FCUL). Os seus interesses de investigação começaram na área da Química Orgânica, ainda na licenciatura, tendo divergido para a ligação da Química ao Património Cultural após o convite para colaborar com o Arquivo da Universidade. O estudo e preservaçãos dos selos de chumbo, bem como do estudo da influência das condições ambientais tem sido a sua área de interesse. Foi bolseira do projeto financiado pela FCT, “Causas da corrosão e metodologias de conservação de selos de chumbo pendentes de pergaminhos do Arquivo da Universidade de Coimbra” (PTDC/HAH/73753/2006). Tem participado em vários congressos e workshops da área e esteve envolvida na organização do International Seminar: Preserving documents – science and restoration, realizado no AUC.