Nos últimos anos os arquivos de família têm sido alvo da atenção dos arquivos públicos portugueses, o Arquivo Municipal de Ponte de Lima com a sua política de incorporações tem sido, nesta área, um caso exemplar.

(Archivoz) Podemos começar por nos contar um pouco da história do Arquivo de Ponte de Lima?

(Cristiana Freitas) Em Ponte de Lima data de 1380 a primeira referência à casa do concelho, fiel depositária da memória, onde se guarda a arca que contém toda a documentação emitida e recebida pela vereação e homens bons da Vila de Ponte de Lima.

A importância dos documentos e da integridade do arquivo esteve diversas vezes na ordem do dia, ao longo dos séculos. Por exemplo, a título de curiosidade, em 1723, numa reunião de vereação, é abordado o facto de faltarem documentos no cartório do escrivão da câmara tendo ficado o escrivão, juntamente com um tabelião, de fazerem o inventário de todos os “papéis” e livros no prazo de três dias, sob pena de suspensão, e em 1758 o então Procurador do Concelho mandou vir carta de excomunhão para todas as pessoas que tivessem ou soubessem quem tinha livros, papéis ou outros “trastes” pertencentes à câmara.

Também em 1979, o então presidente da Câmara de Ponte de Lima, Dr. João Abreu Lima, alertado pelo risco que corria o arquivo histórico do Município, que jazia no desvão assotado do velho edifício dos serviços, resolveu solicitar os serviços de José Rosa de Araújo, experiente monografista e historiógrafo vianense, para proceder à transferência de todos os documentos para a Torre da Cadeia.

Graças a tais preocupações é que o Arquivo Municipal de Ponte de Lima, um dos mais ricos arquivos locais do país, com documentos que remontam ao séc. XIV, chegou até aos nossos dias bastante completo.

Já em pleno século XXI, no âmbito do Programa de Apoio à Rede de Arquivos Municipais (PARAM), do Instituto dos Arquivos Nacionais / Torre do Tombo, obteve a Câmara Municipal de Ponte de Lima apoio financeiro para a criação do seu Arquivo Municipal, cuja inauguração ocorreu no dia 4 de março de 2004 – Dia de Ponte de Lima (879 anos do Foral de D. Teresa).
A adaptação da denominada Casa do Calvário a Arquivo Municipal possibilitou reunir em edifício próprio toda a documentação que até então se encontrava dispersa, permitindo assim dar resposta à preocupação da edilidade de salvaguardar o património arquivístico existente no concelho e garantir o direito de acesso ao arquivo e registos administrativos que nos termos da lei compete assegurar.

Desde então, com o intuito de divulgar o património arquivístico e de promover o estudo e o conhecimento sobre a história local, o Arquivo Municipal tem desenvolvido diversas atividades no âmbito da extensão cultural e do serviço educativo.

(Archivoz) A incorporação de arquivos de família tem sido uma aposta do Arquivo de Ponte de Lima. Como tem sido todo o processo?

(CF) Há já alguns anos que a incorporação dos arquivos de família tem sido uma aposta do Município de Ponte de Lima, através do Arquivo Municipal, dado que temos plena consciência que os arquivos de família, são fontes de informação vitais para a (re)construção da história local e nacional.

Além disso, os arquivos municipais, pela proximidade à comunidade e aos proprietários de arquivos privados existentes no respetivo concelho, devem assumir um papel preponderante no sentido de reunir esforços para apoiar e contribuir ativamente na reconstrução da memória social e coletiva e, por conseguinte, na preservação, valorização e difusão dessas valiosíssimas fontes de informação, muitas das quais ainda inéditas.

Costuma dizer-se que o “caminho faz-se caminhando” e é isso mesmo que temos vindo a fazer ao longo destes anos uma vez que o processo se baseia sobretudo numa relação de confiança entre as partes envolvidas.

(Archivoz) A sensibilização para a preservação e difusão de arquivos privados foi então importante?

(Cristiana Freitas) Sim. Tal como foi dito anteriormente, temos vindo a estabelecer parcerias com proprietários de arquivos privados com o intuito de garantir a preservação a longo prazo desse património documental, bem como a sua divulgação, tornando-o acessível a toda a comunidade. Para além disso, pretende-se com esta ação, sensibilizar os restantes proprietários de arquivos privados, em abundância na Ribeira Lima, e contribuir ativamente para minimizar os riscos de perda dessa informação.

(Archivoz) Quer destacar o primeiro projeto de incorporação de um arquivo de família? Que passos foram dados?

(CF) O primeiro protocolo foi assinado em dezembro de 2012 entre o Município de Ponte de Lima e os proprietários do Arquivo do Paço de Vitorino.

O Arquivo do Paço de Vitorino das Donas é constituído por documentação que remonta ao início do séc. XVI sendo que a primeira geração da família tem início em António Ramos, natural da vila de Viana, capitão “das partes das Índias de Castela” – mais concretamente em Cusco (Perú) e na Costa de Cartagena (Colômbia) – onde veio a casar com Catarina Capa Yupange, natural da cidade de Cusco e que terá sido uma princesa Inca.

Só por essa breve informação, pode facilmente depreender-se o quão interessante e importante é esse arquivo.

Através da parceria estabelecida, o Arquivo do Paço de Vitorino ultrapassou a esfera familiar, a que esteve votado durante quase cinco séculos, para se afirmar como memória coletiva e identidade cultural, estando, desde maio de 2017, parcialmente disponível através do catálogo online do Arquivo Municipal de Ponte de Lima, com acesso ao texto integral, possibilitando a reutilização da informação por parte de investigadores e/ou curiosos.

(Archivoz) E no futuro próximo? Há continuidade para este tipo de projetos ou outros estão a caminho?

(CF) Neste momento orgulharmo-nos de termos incorporado arquivos de famílias importantes da Ribeira Lima, tais como o Paço de Vitorino, o Paço de Calheiros, a Casa de Pomarchão, a Casa do Bárrio e a Casa Norton de Matos, entre outros que estão já a caminho. Aliás, nos próximos meses, será anunciada mais uma incorporação de mais um arquivo de família do concelho de Ponte de Lima, cuja documentação remonta ao século XVI.

Penso que os projetos que temos desenvolvido têm criado algum impacto na medida em que o Arquivo Municipal de Ponte de Lima tem sido abordado por proprietários de arquivos de família de outras localidades que, embora tenham ligações familiares a Ponte de Lima, acabam por estar fora da nossa jurisdição.

A intenção é continuarmos, contudo temos consciência das nossas limitações visto que este tipo de projetos exige um trabalho técnico especializado. Refiro-me essencialmente ao trabalho de descrição, bastante específico e moroso, mas também ao acondicionamento e digitalização. Tal como em todos os restantes arquivos deste país, a realidade é que não temos tantos recursos humanos especializados quanto seria desejável para fazermos mais e melhor em prol da preservação e difusão destes arquivos de família: https://pesquisa-arquivo.cm-pontedelima.pt/

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