Esse ensaio visa pensar nas possíveis contribuições da arquivística partindo de uma reflexão inicial: qual a perspectiva da arquivística na gestão e preservação dos dados de pesquisa? Haja vista, o arquivo entendido além do lugar tradicional da história e administração, isto é, “Os arquivos constituem também um contributo importante para a investigação. São utilizados em diferentes disciplinas. Estudos sociológicos, demográficos e médicos baseiam-se em arquivos, que servem também para a investigação em artes e em ciências” conforme apontam Rousseau e Couture (1998, p.34). Arquivos são condutores de dados, informação e na percepção da pesquisa isso fica mais evidente por meio da necessidade de preservá-los ao longo do tempo para as gerações futuras.
Questões como gestão, preservação, acesso e dentre outras foram apuradas pela arquivística no desenvolvimento da sua teoria, método e prática. Temos estudos que conseguem responder várias questões que são colocadas hoje, como questões da gestão de dados. Sendo possível, apresentar o lugar da arquivística na gestão de dados de pesquisa, no momento atual de produção intensa de dados. Este lugar situa-se no contexto da memória científica onde o dado tem que ser autêntico, organizado, tratado como um recurso tão importante quanto os recursos financeiros.
Revisitar os fundamentos da arquivística com um novo olhar vai propiciar e fundamentar a aplicação da teoria, da prática arquivística e a atuação do profissional arquivista nesse contexto emergente. Contribuindo para solucionar as indagações ligadas a gestão de dados de pesquisa no que diz respeito a: proveniência, autenticidade, arquivamento, preservação a longo prazo dos dados de pesquisa científica. Para compreender tais aspectos, serão descritas as principais articulações entre a arquivística e a gestão de dados de pesquisa. Mas antes, será preciso descrever de forma breve como se originou a gestão desses dados.
Importante contextualizar o universo da gestão de dados de pesquisa, no qual está dentro de um movimento maior denominado: e-Science, que está relacionado aos dados abertos de pesquisa.
O termo e-Science foi designado pela movimentação que surgiu da produção do conhecimento científico baseado no uso compartilhado de recursos e tecnologias da informação e da comunicação de várias áreas do conhecimento. Uma das primeiras nações a citar esse conjunto de ações da pesquisa de grande volume informacional, foi o programa do Conselho Nacional de pesquisa do Reino Unido em 2001.
A e-Science utiliza as tecnologias da informação e da comunicação visando fundamentar a infraestrutura de mudança intrínseca dos métodos científicos de modo a explorar o próprio fazer científico. Extraindo os melhores resultados da pesquisa e atingindo as dimensões de compartilhamento, de recursos computacionais, acesso a conjuntos de dados e uso de plataformas digitais para colaboração e comunicação.
Na atual conjuntura devido aos avanços tecnológicos, a capacidade da sociedade em gerar dados tem se tornado cada vez maior. Gerando oportunidades e impondo desafios que tangem a organização e preservação desse imenso volume de dados.
Pensando nisso, emerge no cenário científico a gestão de dados de pesquisa, que envolve políticas institucionais, organização, acesso, preservação e compartilhamento dos dados de pesquisa. Além de várias agências internacionais de fomento à pesquisa estarem exigindo por parte dos pesquisadores que os dados gerados por suas pesquisas sejam organizados, gerenciados, a fim de garantir a preservação a longo prazo e compartilhamento dos dados de pesquisa.
Dentro desse contexto, durante muitos anos a gestão de dados vem sendo discutida no âmbito da Biblioteconomia, merecendo ser discutida em outras áreas do conhecimento, com o intuito, de desenvolver esse campo emergente com uma equipe multidisciplinar que atua nesse cenário.
Buscando configurar as relações entre a gestão de dados e a Arquivística. Começamos pelo documento arquivístico e o dado de pesquisa. Nesse sentido, Salles e Sayão (2019, p. 36) descrevem que “Dado de pesquisa é todo e qualquer tipo de registro coletado, observado, gerado ou usado pela pesquisa científica, tratado e aceito como necessário para validar os resultados da pesquisa pela comunidade científica”. São evidências de tudo o que você precisa para comprovar o resultado da pesquisa. Independente da forma física ou digital. Podem ser brutos ou primários. Podem decorrer das atividades de pesquisa experimentação, observação, modelagem. São relacionais e funcionais.
Alicerçando essa relação de dados de pesquisa e documento arquivístico. Os documentos de arquivo podem ser mapas, fotografias e demais espécies documentárias podendo ser físico ou digital. Originados no decorrer das atividades de uma instituição pública ou privada como prova de suas funções.
No tocante, ao dado de pesquisa, podemos dizer que ele é dotado de organicidade, sendo gerado no decorrer de um processo, ou seja, da atividade de pesquisa. Com o intuito de fornecer os subsídios para validar as evidências, de prova da atividade de pesquisa. Através dos elementos relacionais e funcionais servindo como registro, evidência, prova e memória. Entendendo a pesquisa como um processo que envolve várias atividades, registros coletados e ao final de todo o processo da pesquisa temos o resultado, ou seja, o dado de pesquisa.
Assim como, a gestão e preservação dos documentos arquivísticos digitais está para a Arquivística, a curadoria digital de dados de pesquisa está para a gestão de dados de pesquisa. Sayão e Sales (2012, p. 184) afirmam que a curadoria digital é resultado do acúmulo dos conhecimentos e práticas em preservação e acesso a recursos digitais que resultaram num conjunto de estratégias, abordagens tecnológicas e atividades que agora são coletivamente conhecidas como “curadoria digital”. Os autores apontam que, ainda que em evolução, o conceito envolve a gestão atuante durante todo o ciclo de vida de interesse do mundo acadêmico e científico, tendo como perspectiva o desafio atemporal de atender as gerações futuras de usuários.
A curadoria digital diz respeito à gestão ativa de dados durante o tempo que ele continua a ser acadêmico, científico, de pesquisa, de administração e/ou de interesse pessoal com os objetivos de apoiar sua reprodutibilidade, reutilização e agregando valor a esses dados, gerenciando-os do momento de sua criação até que eles sejam determinados como não úteis e garantindo a sua acessibilidade a longo prazo, assim como a sua preservação, autenticidade e integridade (HARVEY, 2010, p. 8, tradução nossa).
A Digital Curation Centre (DCC) resume e justifica a importância das atividades da curadoria digital, no seu próprio lema: “porque boa pesquisa precisa de bons dados”. E bons dados serão acessados se preservados.
A curadoria digital de dados de pesquisa, bem como, a gestão e a preservação de documentos arquivísticos digitais reúne estratégia, abordagens tecnológicas práticas de gestão e preservação. Promovendo o arquivamento, armazenamento e preservação a longo prazo. Com o desafio de preservar não somente o conjunto de dados, mas de preservar sobretudo a capacidade que ele possui de transmitir conhecimento para uso futuro. Sendo gerenciado e preservado por todo o ciclo de vida, garantindo a proveniência, autenticidade, confiabilidade, usabilidade – potencial de reuso e compartilhamento. Caminhando no sentido de preservar a memória científica.
Devemos ressaltar também a atuação do profissional arquivista. Com o papel e responsabilidade de arquivamento, preservação a longo prazo, assegurando a autenticidade, confiabilidade, acesso e promovendo o compartilhamento dos dados de pesquisa.
De acordo com Sayão e Sales (2012, p. 179) uma parte considerável dos resultados das atividades de pesquisa está sendo criada em formatos digitais, como por exemplo, a Ciência aberta. Embora de grande valor, esses dados estão sob o risco de serem perdidos pela obsolescência tecnológica e pela fragilidade inerente das mídias digitais. Dessa forma, a gestão de dados de pesquisa num ambiente distribuído e em rede se torna um desafio crescente para o mundo da pesquisa, para a Ciência da Informação e para a Preservação de Acervos de Ciência e Tecnologia. Como resposta a esse desafio surge a gestão de dados de pesquisa desde o seu planejamento, assegurando a sua preservação por longo prazo, descoberta, interpretação e reuso, seja no presente ou no futuro.
Breve, porém, pontual. Este ensaio teve como objetivo, provocar reflexões que permitam destacar as possíveis contribuições entre a Arquivística e a gestão de dados de pesquisa. Pensando na configuração dinâmica que a Arquivística deve assumir. Foi possível depreender sua inserção na temática dos dados de pesquisa. O Arquivista com o papel e a responsabilidade de garantir a autenticidade, a preservação e o reuso dos dados contribuindo para a manutenção da memória cientifica. A gestão de dados de pesquisa com o viés Arquivístico, consiste em uma área ampla de pesquisa, mas com poucos representantes tratando do assunto. Logo a Arquivística dispõe de instrumentos, estudos e diretrizes para contribuir com as questões dos dados de pesquisa conduzindo a soluções já procuradas pelos grupos envolvidos nesse trabalho.
REFERÊNCIAS
HARVEY, Ross. Digital Curation: a how-to-do-it manual. New York: Neal-Schuman, 2010.
ROUSSEAU, J. Y.; COUTURE, C. Os fundamentos da disciplina arquivística. Lisboa, Publicações Dom Quixote, 1998. 360 p.
SALES, Luana Farias ; SAYÃO, LUÍS FERNANDO . Uma proposta de taxonomia para dados de pesquisa. Revista Conhecimento em Ação, v. 4, p. 31-48-48, 2019.
_____. Curadoria Digital: um novo patamar para preservação de dados digitais de pesquisa. Inf. & Soc.:Est., João Pessoa, v.22, n.3, p. 179-191, set./dez. 2012.Disponível em: < http://www.ies.ufpb.br/ojs/index.php/ies/article/view/12224/8586>. Acesso em: 28 set. 2017.