Entrevista a Carolina Kuk, historiadora e atuante na área de arquivos empresariais, que relata aspectos do empreendedorismo na área de arquivos a partir de sua própria experiência.

(Archivoz) Conte-nos um pouco da sua formação e trajetória profissional.

(Carolina Kuk) Sou historiadora, bacharel e licenciada em História pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). Posteriormente, fiz uma pós-graduação em sócio-psicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP), o que me deu lentes da sociologia, da psicanálise e da antropologia para agregar outras perspectivas às minhas pesquisas. Desde o início da graduação, comecei a trabalhar com memória institucional e empresarial, realizando estágios em empresas de consultoria que atendiam clientes como Nestlé, Porto Seguro, Academia Brasileira de Letras e Iate Clube de Santos. Fui adentrando cada vez mais nesse universo e, em 2018, realizei um extenso benchmarking em cerca de 40 organizações. Meu objetivo era entender como trabalhavam a memória, as estratégias utilizadas para implantar e manter esses projetos e os motivos pelos quais desenvolviam tais iniciativas.

Em 2019, fundei a Raiz Projetos e Pesquisas de História, que oferece serviços de consultoria, organização e extroversão de acervos históricos, desenvolve pesquisas sócio-históricas e ministra cursos, palestras e workshops sobre o tema.

 

(Archivoz) A partir de sua experiência, como vê o empreendedorismo no campo da Arquivística?

(Carolina Kuk) No Brasil, as primeiras iniciativas empreendedoras no campo da arquivística e da história são da década de 1980 e 1990, quando as organizações começaram a compreender a importância de preservar e divulgar a sua memória, especialmente após a ditadura militar, quando o movimento pela redemocratização propunha o resgate da história e de outras narrativas que não aquela imposta pelo governo até então. Mas hoje, ainda há poucas empresas especializadas em implantar centros de memória empresariais ou institucionais, criar tabelas de temporalidade ou planos de classificação, desenvolver pesquisas sócio-históricas ou organizar e extroverter acervos históricos. Sinto que ainda há um vasto campo a ser explorado por arquivistas, historiadores, bibliotecários e museólogos.

No entanto, enfrentamos um desafio: educar o mercado, divulgar este tipo de serviço e mostrar às instituições que suas necessidades podem ser atendidas com soluções eficazes, que há método, técnicas e profissionais habilitados para resolver esses problemas. Essa é uma das maiores preocupações da Raiz: falar sobre a importância do patrimônio documental e sobre os potenciais da memória institucional.

 

(Archivoz) Conte-nos sobre como se inicia um processo de consultoria na área de arquivos.

(Carolina Kuk) Hoje em dia é mais comum que o cliente procure a Raiz, mas já houve tempos em que a gente prospectava bastante: investigavámos o mercado dos mais diferentes tipos de instituição, identificávamos os potenciais de aproximação (como aniversários, momentos de fusão ou aquisição de empresas, instituições dirigidas por pessoas sensíveis à memória), conseguíamos um contato e nos apresentávamos. A consultoria sempre começa com uma conversa (online ou presencial) com o cliente para que ele conheça a Raiz, sinta confiança no nosso trabalho, e nos conte porque ele nos procurou e como ele nos encontrou. Nesse momento, a gente já consegue compreender quais as necessidades dele e quais as soluções do nosso portfólio podem atendê-lo. É muito comum que nos procurem para um projeto de exposição, de publicação ou de filme, principalmente quando se quer comemorar uma data especial para a empresa. Também é comum a necessidade de encontrar documentos históricos e resgatar o legado da instituição para planejar o futuro. Muitas vezes, as empresas não sabem onde está seu acervo e não tem ideia do que fazer para encontrá-lo. Outra demanda é investigar a história de um assunto específico ou de uma marca e seu contexto: um exemplo é de quando desenvolvemos pesquisas sobre a história da margarina para a equipe de planejamento de uma empresa que queria conhecer o passado para se posicionar melhor no mercado.

 

(Archivoz) Como surgiu a ideia da tua empresa, quais mecanismos utiliza para se fazer presente no mercado? E quais trabalhos já realizou?

(Carolina Kuk) Desde o início da minha carreira, eu trabalho com memória institucional em consultorias especializadas. Mas eu sempre quis ousar mais, quis que a memória adentrasse mais nas empresas. Queria divulgar o papel da história e da memória como uma ferramenta estratégica e fundamental para as instituições, queria pensar a questão da memória em várias esferas – de manutenção do legado à inovação, de gestão de conhecimento à valuation. Foi por causa disso que eu fundei a Raiz Projetos e Pesquisas de História em 2019. A empresa foi crescendo aos poucos e, em 2022, eu contratei uma consultora de marketing que me ajudou a estruturar uma estratégia de marketing de conteúdo para a Raiz. Criamos o Raiz Conecta, a newsletter da Raiz, criamos um calendário de posts nas redes sociais (Instagram e Linkedin), criamos o blog Raiz Aprofunda, em que publicamos artigos sobre assuntos que queremos discutir. Nestes 5 anos já desenvolvemos muitos trabalhos interessantes: na Nestlé, no Greenpeace, na Box1824, na Adium Farmacêutica, na Ambev, na JBS, na Seara, na Câmara de Comércio Suíço-Brasileira – SwissCam, na Toyster e outras. Sempre nesses eixos de organização de acervos, de extroversão de acervos e pesquisas sócio-históricas. Também já ministramos palestras e cursos no Sesc, na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP, na Universidade Federal do Paraná – UFPR, na Unifai, na Etec, na Universidade Federal de Minas Gerais -UFMG, na Faculdade Belas Artes, dentre outras.

Pesquisa em acervos: fontes documentais. Imagem cedida por Carolina Kuk.
Pesquisa em acervos: fontes documentais. Imagem cedida por Carolina Kuk.

(Archivoz) Como é entrar em contato com acervos documentais tão específicos e diferentes a cada momento? Tem alguma metodologia de trabalho que emprega diante de realidades distintas, para assim agilizar o processamento da informação e alcançar os resultados almejados pelo cliente? Continuam a ser acervos em suporte papel em sua maioria ou não?

(Carolina Kuk) Olha, eu adoro! Poucas coisas me deixam mais contente profissionalmente do que poder conhecer diferentes acervos históricos, de instituições com atuações completamente variadas. Mas sim: temos uma metodologia de trabalho que pode ser aplicada a qualquer uma delas com as devidas customizações e ajustes. Temos etapas de trabalho com atividades muito bem definidas, mas que podem ser recombinadas para o projeto em questão.

Para organização de acervos, temos uma metodologia para definir escopo, fazer o diagnóstico, criar o sistema de classificação e a ficha catalográfica, mas cada instituição sai com uma política de acervo sua, específica e única. Para a pesquisa sócio-histórica, podemos usar ou não pesquisa bibliográfica, pesquisa documental, visitas técnicas e história oral, dependendo do prazo, do orçamento e do objetivo do projeto.

Os acervos são de suportes muito variados. Ainda temos bastante papel, mas também temos objetos tridimensionais de vários materiais, cromos, negativos, fitas VHS, fitas K7, indumentária e cada vez mais documentos nato-digitais.

 

(Archivoz) Diante do contexto tecnológico, tem sido demandada a lidar com patrimônio documental eletrônico? Quais são os desafios? Se ainda não, como imagina ser os desafios?

(Carolina Kuk) Cada vez mais os acervos históricos das empresas e instituições têm uma parte de documentação nato-digital considerável. Os desafios são muitos: desde a reprodução infinita de cópias de uma mesma fotografia digital que se espalham pelos computadores e celulares de todos até a dificuldade de negociar espaço em nuvem para o repositório, passando pela atenção que precisamos ter com a migração das extensões dos arquivos quando necessário. Precisamos conversar com nossos colegas e debater o assunto para chegar em soluções e protocolos que nos ajudem a tratar dos documentos eletrônicos.

Imagem de cabeçalho: Fragmentos de acervo documental. Fotografia editada e cedida por Carolina Kuk (2024).

Entrevistado

Carolina Kuk

Carolina Kuk

Fundadora da Raiz Projetos e Pesquisa Histórica, presta serviços na área de preservação, organização e difusão de acervos, sobretudo empresariais. É pós-graduada em sócio-psicologia pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) e historiadora, bacharel e licenciada, pela Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH) da Universidade de São Paulo (USP). 

Entrevistadora

Simone Silva Fernandes

Simone Silva Fernandes

Editor di contenuti

Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em História, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH/USP), possui graduação em Faculdade de Ciências Sociais pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (1995) e mestrado em História pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (2004). Atualmente é técnico documentalista da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo e professora da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo. Tem experiência nas áreas de História e das Ciências da Informação, com ênfase em História Contemporânea, em História do Brasil e em Arquivologia. Atua em Centros de Documentação e Memória, sobretudo no tratamento da informação e na difusão cultural de acervos.

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