(Archivoz) Fale-nos um pouco do seu percurso formativo e profissional, até chegar a Coordenadora do grupo de Arquivo, Documentação e Informação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), funções que desempenha desde 2009.
(Paula Meireles) Tenho uma licenciatura em Ciências da Comunicação, área de jornalismo, atividade que não cheguei a exercer. Trabalhei em marketing e comunicação durante alguns anos tendo surgido a oportunidade de integrar uma unidade de investigação e de acompanhar projetos de investigação, desempenhando tarefas de gestão e de investigação. Rapidamente percebi que a área que realmente me fascinava era o trabalho que estava “antes” da informação chegar ao investigador. Nesta altura abriu na NOVA FCSH um novo curso de mestrado em Ciências da Informação e Documentação, onde ingressei e conclui o mestrado na área de arquivo em 2009. Entretanto comecei a colaborar em diversos projetos de tratamento, organização e disponibilização de acervos documentais, enquanto investigadora do Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH (2003-2020). Um destes projetos foi o tratamento e organização do acervo da Fundação para a Ciência e a Tecnologia, com início em 2008. A direção da FCT, reconhecendo a importância do património documental de que era detentora, e da sua necessária valorização, criou uma pequena estrutura de arquivo que passei a coordenar, desde dezembro de 2009, integrando os quadros da FCT. De 2009 para cá as atribuições e competências desta estrutura têm vindo a aumentar, estando-lhe atribuídas funções no âmbito da gestão, do desenvolvimento e da implementação de meios e mecanismos de gestão documental e de arquivo; de funcionamento do Arquivo de Ciência e Tecnologia, em termos de gestão, de inventariação, preservação e disponibilização do património documental e bibliográfico da FCT; e ainda a participação na coordenação de três serviços ligados à gestão do acesso à informação científica, nomeadamente revistas, diretórios e repositórios científicos.
(Archivoz) Gostaria que nos apresentasse o Arquivo de Ciência e Tecnologia, quanto à sua origem, missão, documentação à sua responsabilidade, projetos de tratamento de acervos de ciência e tecnologia pertencentes a outras entidades e tudo o que tem sido feito para ficarem acessíveis aos investigadores e público em geral, mas também das respetivas iniciativas desenvolvidas em termos de divulgação.
(Paula Meireles) O que esteve na base de criação do Arquivo de Ciência e Tecnologia (ACT), em 2011, foi o espólio arquivístico herdado e produzido pela FCT no âmbito da sua atividade e das atribuições que, entretanto, transitaram para a sua área de competência por fusão, extinção, alteração orgânica de outras instituições. É documentação que representa a investigação científica produzida em Portugal, desde meados do século passado, e que permite a reconstituição da história das entidades com responsabilidade administrativa nesta matéria ao longo do tempo. É um acervo único e de inegável interesse e qualidade histórica, que reflete a atividade cultural e científica portuguesa, traduzida numa grande parte em milhares de processos de apoio a bolsas, instituições, projetos de investigação, entre outros. Um acervo documental e bibliográfico representativo da história das instituições, das políticas científicas e da organização da ciência, com interesse para todas as áreas do conhecimento. A missão do ACT centra-se no tratamento, na preservação e na divulgação do património arquivístico à guarda da FCT, mas também de outros com interesse científico e histórico, que apesar de não estarem na dependência da FCT, por meio de protocolo poderemos fazer o tratamento arquivístico, como é o caso do Arquivo da Comissão Fulbright ou do Arquivo da Junta de Energia Nuclear. Temos também vindo a integrar alguns espólios pessoais de reconhecidas personalidades ligadas à atividade científica por exemplo de José Mariano Gago, José Francisco David Ferreira, Miguel Mota, entre outros. Neste momento o ACT conta com 12 arquivos institucionais de administração e organização de Ciência e 8 arquivos pessoais de cientistas e de outras personalidades ligadas à Ciência. No total contabilizam-se cerca de 5000 metros lineares de documentos, um acervo que contribui para a preservação da história e memória da ciência e da tecnologia em Portugal. O trabalho de descrição e inventário é um trabalho em curso, mas já é possível consultar uma grande parte da informação no inventário em linha, alguns registos já com imagem digital. Para além deste acervo arquivístico, a FCT é também detentora de uma Biblioteca única no país, constituída por periódicos e monografias nacionais e internacionais, especializados em áreas como: gestão e política de ciência e tecnologia, história institucional e história da ciência. O nosso principal meio de divulgação é o site do arquivo, www.act.fct.pt, que contém diversas rubricas, atualizadas mensalmente e que, para além disso, é constantemente alimentado com novos conteúdos preparados a partir da informação do arquivo, nomeadamente biografias, artigos de divulgação, cronologia, etc. Temos também uma newsletter que mensalmente leva novidades aos nossos subscritores. Também já organizámos diversos encontros científicos e outras iniciativas, por exemplo, publicação de artigos de divulgação em revistas nacionais e internacionais.
(Archivoz) Ainda na Fundação para a Ciência e a Tecnologia, para além de Coordenadora do grupo de Arquivo, Documentação e Informação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), e de em 2011 ter participado na criação do Arquivo de Ciência e Tecnologia, integra a coordenação geral de importantes projetos. O que nos pode dizer sobre os mesmos?
(Paula Meireles) Sim, é verdade. Foram oportunidades que surgiram de poder colaborar noutras áreas ligadas à informação e à documentação, de abrir horizontes e de estender competências e conhecimentos. A FCT tem uma forte presença em termos de estratégia e políticas de acesso aberto para toda a comunidade científica, disponibilizando serviços indispensáveis e que contribuem para o acesso à informação. Um desses serviços é prestado pelo SciELO Portugal, uma biblioteca digital online, que disponibiliza e promove as revistas científicas portuguesas, com o objetivo de difundir mundialmente a produção científica nacional de qualidade. Um outro projeto tem a ver com a presença nacional na Latindex, uma rede de divulgação de publicações científicas, sendo a FCT, desde 1999, que garante a presença nacional nesta estrutura que se estende aos países da América Latina, Caraíbas, Espanha e Portugal. O principal objetivo é difundir, tornar acessível e elevar a qualidade das revistas de investigação científica, técnico-profissionais e de divulgação científica e cultural editadas. O projeto mais recente teve na sua génese um Grupo de Trabalho criado em 2016, que integrei como representante da FCT, por iniciativa da Secretaria de Estado da Ciência e da Tecnologia, para a construção de um Diretório de Repositórios Digitais (DRD). O objetivo era a criação de um referencial online de acesso a repositórios digitais e revistas científicas digitais na área da ciência e da cultura, de forma integrada. Portanto, uma plataforma que permitisse a pesquisa e identificação de informação de forma completa, credível e que potencia a visibilidade e disseminação da informação registada. O projeto beneficiou pelo facto de ter tido um financiamento SAMA, permitindo a sua continuidade e fixação na FCT, uma das entidades promotoras. E assim nasce o INDEXAR, lançado oficialmente há cerca de 1 ano, mais um serviço prestado pela FCT a toda a comunidade científica.
(Archivoz) Participou no Grupo de Trabalho para o Levantamento do Património Científico e Tecnológico coordenado pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2016-2018). Quais os principais resultados e evidências deste Grupo de Trabalho?
(Paula Meireles) Foi um projeto muito importante que permitiu reunir diversas entidades na área da ciência e da tecnologia, de forma colaborativa, e criar uma base de dados identificando o património científico e tecnológico em Portugal. Este património existe em instituições diversas, de forma muito dispersa, sem um esforço coordenador que promova e difunda este conhecimento aos investigadores e ao público em geral. Os objetivos eram claros e determinantes: promover e ampliar a cultura científica e tecnológica; fazer o levantamento, a identificação e o mapeamento do património científico e tecnológico nacional; disponibilizar na web informação sobre património de forma centralizada e integrada; e também reforçar a responsabilidade das entidades detentoras deste património. Infelizmente, tendo sido um projeto que decorreu a nível ministerial, sofreu em termos de sustentabilidade, pois não teve continuidade possivelmente por não ter sido acolhido por nenhuma instituição.
(Archivoz) Entre 2003 e 2020 assumiu a coordenação técnica de diversos projetos de tratamento, organização e disponibilização de acervos documentais, enquanto investigadora do Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH. O que gostaria de destacar nesse sentido?
(Paula Meireles) Desde cedo que integrei esta unidade de investigação, participando em diversos projetos de investigação, que habitualmente incluíam sempre a tónica do tratamento, organização e recuperação de arquivos, a par do trabalho de investigação. Depois de fazer formação superior na área dos arquivos comecei a acompanhar como técnica de arquivo os projetos que incluíam esta componente. O meu primeiro trabalho enquanto arquivista foi precisamente num destes projetos, na organização, tratamento, descrição e digitalização do arquivo da Companhia Portuguesa Rádio Marconi (1925-1995). Trabalhar neste ambiente académico permitiu-me conhecer diversas realidades, uma aprendizagem imensa, por um lado, percebendo a importância das fontes para os investigadores e perceber as suas necessidades, por outro, desenvolvendo um conhecimento alargado do imenso património documental que existe nas instituições, nos arquivos, públicos e privados, e nas diversas áreas de atuação. Claro que também tomei conhecimento das coisas menos positivas, do muito que havia para fazer, do muito que se estava a perder em termos de memória coletiva. O que para mim só veio reforçar a importância que os profissionais da informação e documentação têm na sociedade, e do seu papel crucial para uma sociedade democrática, transparente e guardiã da sua história e memória.
(Archivoz) É Vice-Presidente da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD), para o triénio 2021-2023. Que balanço faz do trabalho desenvolvido? O que foi feito e o que falta concretizar?
(Paula Meireles) Tem sido um grande desafio, tanto pessoal como profissional. Apesar de ser associada da BAD já há alguns anos, só agora estou a viver o verdadeiro associativismo e a dar devida importância à associação profissional que defende e trabalha por todos e para todos os profissionais da informação. Felizmente, este Conselho Nacional é composto por pessoas muito empenhadas, profissionais e que tem dado um contributo imensurável para que a BAD seja ainda uma maior e melhor associação. Já são quase 3 anos de mandato onde me sinto muito realizada, e uma privilegiada mesmo, por estar a trabalhar com pessoas que já deram muito à BAD e ao associativismo, e com quem estou a aprender muitíssimo. Dá trabalho claro, mas o retorno é compensador, sem dúvida. O nosso foco têm sido os associados, proporcionando melhorias de diversas formas: um novo portal, moderno e com mais informação; na comunicação entre a BAD e os associados; na atualização do plano de formação tendo em conta as novas tendências e necessidades; na promoção de diversas iniciativas que permitam à comunidade a reflexão e o debate necessários e atuais; entre outras iniciativas. É essencial envolver e dialogar com a comunidade BAD, valorizando a profissão e reconhecendo estes profissionais, atores cruciais na sociedade. Temos em curso um estudo sobre os profissionais BAD em Portugal: quantos somos, quem somos, que formação temos? Um estudo inédito que irá permitir conhecer-nos e definir estratégias de atuação futuras. O que falta? Salta-me logo à ideia de que deveríamos ser mais, deveríamos chegar a mais gente, precisamos de mais vozes para uma associação com mais força. Falta também termos voz no poder político, aprender a ultrapassar barreiras que nos impedem de regulamentar, normalizar, vincular a atividade na área BAD.
(Archivoz) O que nos pode adiantar sobre as iniciativas programadas pela BAD para o último semestre de 2023, ano em que a Associação completa os seus 50 anos de existência?
(Paula Meireles) É verdade, a BAD completa este ano 50 anos de existência! Já realizamos o Congresso Nacional da BAD, entre 3 e 5 de maio na Universidade do Algarve, um excelente evento onde contámos com mais de 400 participantes!! Estamos agora focados na organização de diversas iniciativas para comemorar este meio século de vida da BAD. Lançamos já a iniciativa 50 anos! Vamos de Visita que promove a organização de visitas a edifícios, acervos e serviços, aos profissionais BAD e a todos quantos se queiram juntar. Queremos chegar pelo menos a 50 visitas para comemorarmos em conjunto os 50 anos da BAD! Temos também em curso um importantíssimo projeto de recolha de memória oral, uma iniciativa da Comissão Técnica da Profissão que avançou com Entrevistas Profissionais a vários profissionais BAD. Testemunhos imprescindíveis de ouvir e preservar. O aniversário da BAD irá culminar num grande encontro, em local ainda a definir, mas onde queremos reunir uma massa associativa representativa que se queira juntar à festa dos 50 anos!! O ano de 2023 fica realmente marcado pela realização do 14º Congresso Nacional da BAD e pela comemoração dos 50 anos, mas temos tempo ainda para a organização do 2º Encontro da Madeira – o primeiro foi em 2021 – no próximo dia 10 de novembro. Já agora refiro que também tem sido uma aposta da BAD apoiar a Delegação Regional da Madeira na promoção destes encontros, divulgando assim uma comunidade representativa em termos de projetos e trabalho na área BAD. Aproveito para referir que em dezembro deste ano esta direção da BAD termina o seu mandato e que vão ser realizadas eleições!
(Archivoz) O novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19 colocaram novos desafios aos arquivos, obrigando os seus responsáveis e colaboradores a adaptar-se a novas metodologias e formas de trabalhar. Fazendo um balanço desta nova realidade, que se faz sentir desde meados de março de 2020, entende que, em linhas genéricas, os arquivos portugueses foram capazes de se reinventar e dar uma resposta eficaz aos problemas e oportunidades surgidas?
(Paula Meireles) Sim, fomos todos apanhados de surpresa para uma realidade que penso ninguém estava à espera nem imaginaria que pudesse acontecer. Os arquivos, assim como as bibliotecas, tiveram sérias dificuldades em dar resposta aos seus utilizadores. São serviços que trabalham para a comunidade, de portas abertas, no seu dia a dia. Os Arquivos e as Bibliotecas (instituições) que foram obrigados a fechar sem ser considerados serviços essenciais, só revelam uma luta que temos de continuar a travar: reconhecer os arquivos e as bibliotecas como serviços essenciais para as comunidades em que estão inseridos. E não falo apenas da leitura, do empréstimo, da investigação ou da consulta, falo de todos os serviços prestados por estas infraestruturas que num Portugal mais carenciado poderão fazer a diferença a muitas populações. Foram momentos difíceis, mas claro que procurámos adaptar-nos usando os recursos possíveis, mas claramente um trabalho facilitado para os serviços em fase avançada de informatização e desmaterialização. Esperemos que a lição aprendida com tudo isto tenha chegado a muitos. Que os serviços, dirigentes e decisores políticos tenham ficado alerta para a necessária introdução de sistemas de informação nos serviços de informação e documentação e pela imprescindível necessidade de os pensar como serviços essenciais à comunidade.
(Archivoz) Uma última pergunta, como é que vê o futuro dos arquivos em Portugal e quais é que pensa que são os grandes desafios e oportunidades para os profissionais da informação?
(Paula Meireles) Para mim a preocupação é, desde há alguns anos, a desmaterialização e digitalização desenfreada dos serviços e dos arquivos, em muito provocada por tudo o que nos trouxeram as novas tecnologias. Digamos que o “novo” desafio é lidar com esta massa de informação que diariamente é produzida nas instituições sem que transformem os sistemas de informação em depósitos de informação irrecuperável. Como qualquer bom desafio, reside também aqui um poço de oportunidades. Mais uma vez, valorizar a informação e incutir a necessidade de profissionais da informação e documentação em todas as organizações, gerindo, organizando a informação produzida diariamente em formato digital, principalmente a que é nado-digital. Por um lado, servir à recuperação e ao acesso à informação para apoio à decisão, por outro, preservar a história e memória coletiva. O “velho” desafio, de garantir a preservação e o acesso aos arquivos em suporte papel, permanece e continuará a ser desafio até que as instituições se responsabilizem pelo património documental de que são detentoras e que têm obrigação de tratar, preservar e criar condições de acesso aos cidadãos.
Imagem cedida pela entrevistada.
Entrevistado

Paula Meireles
Coordenadora do grupo de Arquivo, Documentação e Informação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT)
Mestre em Ciências da Informação e da Documentação – Arquivo, pela NOVA FCSH (2009), licenciada em Ciências da Comunicação, pela Universidade Autónoma de Lisboa (1994).
Coordenadora do grupo de Arquivo, Documentação e Informação da Fundação para a Ciência e a Tecnologia (FCT), desde 2009, tendo participado na criação do Arquivo de Ciência e Tecnologia (2011). Integra também a coordenação geral de gestão da Coleção SciELO Portugal e da Latindex, serviços com representação nacional através da FCT. Integra ainda a coordenação do Diretório de Repositórios Digitais (DRD), INDEXar.
É atualmente Vice-presidente da Associação Portuguesa de Bibliotecários, Arquivistas, Profissionais da Informação e Documentação (BAD) para o triénio 2021-2023.
Organiza e participa em encontros de divulgação científica na área do património documental, nomeadamente arquivos de ciência, arquivos da administração pública e curadoria digital. Publicou em coautoria artigos de divulgação do Arquivo de Ciência e Tecnologia em revistas nacionais e internacionais.
Participou no Grupo de Trabalho para o Levantamento do Património Científico e Tecnológico coordenado pela Secretaria de Estado da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior (2016-2018). Assumiu a coordenação técnica de diversos projetos de tratamento, organização e disponibilização de acervos documentais, enquanto investigadora do Instituto de História Contemporânea da NOVA FCSH (2003-2020).
Entrevistador

Paulo Jorge dos Mártires Batista
Editor de conteúdo en Arachivoz Magazine
Técnico Superior no Arquivo Municipal de Lisboa, de Professor Convidado no Curso de Especialização Arquitetura e Cultura Visual em Lisboa.
Muito bom, os meus parabéns , um tralho excelente , tanto em história como no arquivo. O grupo com que estás a laborar estão de parabéns. Continua. Um beijinho grande.
Que lhe sejam dadas todas as ferramentas para poder dar continuidade a este excelente trabalho .muitos parabéns