Hoje entrevistamos a historiadora e investigadora Teresa Oliveira, mentora do projeto Genealogia sem Segredos, assistente de investigação do prestigiado Projeto “Vinculum” apresenta-nos um pouco da sua já diversificada experiência, talento e concretizações na área da investigação histórica e dos arquivos.
(Archivoz) Tem uma experiência muito diversificada que vai desde a criação de conteúdos, a museologia e os arquivos. Qual foi o apelo que sentiu para enveredar por esta carreira que é ao mesmo tempo de uma técnica especializada e de uma investigadora?
(Teresa Oliveira) Sempre gostei de História e, quando escolhi a minha licenciatura estive indecisa entre História e História da Arte. Acabei por escolher a segunda porque me interessava mais pela vertente cultural da história, e gostava muito de museus, sobretudo de arte antiga, pelo que era a área que me pareceu mais atraente. Quando chegou a altura de enveredar por um mestrado voltei a sentir essa indecisão porque, em certos aspectos, era mais do ponto de vista da História, e não tanto da Arte, aque eu gostava de ver as coisas, mas não queria apenas ser investigadora, e não queria especializar-me numa só época ou tema. Portanto, acabei por optar pela Museologia, por desejar obter conhecimentos mais práticos e fazer, como fiz, um estágio de mestrado em vez de uma dissertação. Senti que assim teria conhecimentos mais transversais para, eventualmente, me auxiliarem no trabalho dentro de um museu, e que uma especialização maior, quer em História, quer em História da Arte, poderia surgir mais tarde, de acordo com o que o futuro me trouxesse. Entretanto, os trabalhos que fui tendo acabaram por me levar para os arquivos, e apaixonei-me. Na verdade, em muitos aspectos, a Museologia e a Arquivística tocam‑se: tanto os museus como os arquivos têm como principais objectivos a preservação e divulgação de património. A forma desse património e, consequentemente, as suas especificidades, é que são diferentes.
(Archivoz) Entre o contacto com o público dos museus e o “silêncio” dos arquivos, o que prefere?
(Teresa Oliveira) Os arquivos, definitivamente. Sou introvertida e, embora não me importe de trabalhar com pessoas, sinto-me muito mais à vontade entre os documentos antigos, e acho que as minhas capacidades são mais viradas para um trabalho mais “de bastidores” do que de frente de casa.
(Archivoz) A sua geração, por vezes, não se encontra nem vocacionada para as áreas de museologia e muito menos para a arquivística, qual é a sua opinião?
(Teresa Oliveira) Em primeiro lugar, nem toda a gente tem a sorte de ter crescido com uma mãe a fazer uma tese de doutoramento em História, a ouvir histórias sobre infantas medievais e a ir a museus, como eu tive. Mas não acho que seja uma questão geracional, acho que é transversal a várias gerações. A História, e as Humanidades em geral, são cada vez mais desprezadas, o desinvestimento na Cultura e nas Artes tem sido enorme. Vivemos muito virados para o lucro, para o consumo, para a velocidade, para o descartável, e estas áreas, onde o valor não se mede pelo lucro, onde o trabalho exige tempo e reflexão, onde se recupera a memória, se fala em tempos longos, e se colocam questões muitas vezes irresolúveis, são a antítese disso e, como tal, são vistas, erradamente, como inúteis por muitas pessoas. Não ajuda, também, que seja mais difícil encontrar estabilidade laboral nestas áreas, e, ainda menos, fazer muito dinheiro, pelo que há muita gente que as desvaloriza à partida, e nem encoraja os mais jovens a segui-las.
E, no entanto, as pessoas gostam de séries como Game of Thrones, Outlander, Bridgerton, ou de livros como os da Isabel Stilwell ou da Philippa Gregory, que romantizam a história, e/ou que, com maior ou menor fantasia, têm raízes em temas históricos concretos. Portanto, eu acho que pode haver interesse por temas da História, mesmo que ficcionados… É uma questão, acima de tudo, de sensibilidade e, provavelmente, da forma como se dão estas disciplinas na escola e de como se valoriza a área nas políticas públicas, nos meios de informação, e nas próprias instituições que as promovem. Talvez seja preciso mudar a forma como mostramos a História às pessoas e como os historiadores mostram o valor daquilo que fazem ao público em geral.
Conhecer a História dá-nos uma perspectiva do muito muito mais informada, percebemos que certas coisas que hoje nos dizem e nos querem mostrar como “novas”, na verdade, são antigas, ganhamos um pouco mais de perspectiva e de humildade, creio, apercebemo-nos de que vimos de longas gerações e que temos um dever, também, para com as gerações futuras.
(Archivoz) Pelos diversos locais por onde passou qual é a sua percepção acerca do tratamento dos acervos que é feito atualmente no nosso país?
(Teresa Oliveira) Acho que tem havido um grande esforço por parte das instituições para actualizar os seus sistemas de organização e recuperação de informação, digitalizar acervos, inovar. Todavia, os meios são muito escassos, há uma enorme falta de pessoal e de autonomia, e também de formação, que impedem muitas instituições de serem mais ambiciosas, de explorarem o potencial imenso do património que têm à sua guarda. Se os principais arquivos e museus nacionais não têm ainda toda a sua documentação e acervos tratados e organizados, e, teoricamente pelo menos, são os mais beneficiados, como podemos querer que os mais pequenos consigam?
(Archivoz) Denota algum desinvestimento? Da parte de quem?
(Teresa Oliveira) Sim. Imenso. Em todos os sítios onde estive, a falta de pessoal e o seu envelhecimento são gritantes. As próprias pessoas se queixam e recordam-se de como era há uns trinta ou quarenta anos. A maior parte destas instituições é pública e, como tal, não tem qualquer autonomia para contratar pessoas especializadas, que são o recurso mais precioso que podem ter. Sem possibilidade de abrir concursos externos, a maior parte destas instituições não consegue planear a longo prazo, e não pode captar pessoas novas, saídas recentemente das universidades. Há toda uma geração antes da minha, altamente qualificada, que tem acumulado experiência sempre em trabalhos e projectos precários, à espera para entrar. E depois é um círculo vicioso: não há trabalho, a área não interessa, desinveste-se mais…
Os museus nacionais, presos à tutela da DGPC, nem capacidade para terem orçamentos próprios têm. Os seus directores estão completamente manietados, mesmo para a despesas mais simples e corriqueiras do dia-a-dia. Há verbas que ficam cativas ad aeternum, e, consequentemente, investimentos que se atrasam… E os trabalhadores vão ficando mais velhos, reformando-se, sem que entrem pessoas novas para aprenderem com quem já tem experiência, e poderem passar o conhecimento acumulado às gerações futuras…
Todavia, por vezes penso que também se podia tentar mais para se sair da caixa, e não se estar totalmente dependente do Estado. Há que investir mais no mecenato, e sensibilizar as empresas portuguesas nesse sentido, por exemplo. Há, também, uma certa estagnação nalgumas instituições, que parece que se deixaram cristalizar com o tempo, e nada fazem para mudar. Mas acredito que muitas equipas estejam já exaustas e não tenham possibilidade de lutar ainda mais, quando cada dia é uma luta.
(Archivoz) Também se dedica à paleografia, área em que conta já com algumas publicações e participação em projetos de relevo. Considera que ao ter adquirido esta formação tão específica pode fazer toda a diferença na sua carreira?
(Teresa Oliveira) Sim, sem dúvida. Foi a Paleografia que me permitiu ter o meu primeiro trabalho num projecto de investigação, e tem sido um factor decisivo na minha participação noutros projectos que requerem trabalho de arquivo e, consequentemente, a capacidade de decifrar escritas antigas. Também é nessa área que tenho conseguido obter trabalho como freelancer, porque cada vez mais há pessoas que ou não têm conhecimentos fortes o suficiente da Paleografia para fazerem a investigação com recurso a fontes que não estejam já publicadas ou, simplesmente, entre as inúmeras exigências burocráticas e metas de publicações que são exigidas hoje aos investigadores, não têm o tempo necessário para fazer trabalho de arquivo, e precisam de recorrer a outras pessoas para as auxiliar na pesquisa.
(Archivoz) Dizem que a figura do arquivista-paleógrafo é uma imagem de um passado tido como custodial e tecnicista. Partilha desta opinião?
(Teresa Oliveira) Não. Acho que estas especialidades têm o seu lugar, e não se esgotam em tarefas técnicas e custodiais. O trabalho de arquivista tem importância na divulgação do conhecimento, na disponibilização e publicação de fontes e na produção de conhecimento através dessas fontes. A ciência histórica tem de se sustentar em fontes, e os arquivistas são quem indica onde e quais são essas fontes. Sem o seu trabalho, um investigador poderá perder imenso tempo e não conseguir encontrar aquilo de que precisa. Ou podem-se, simplesmente, perder por incúria e desconhecimento. A arquivística, contudo, evoluiu bastante, nem todos os arquivistas trabalharão em arquivos que necessitem de conhecimento de paleografia. Mas a paleografia não deixa, por isso, de ter a sua relevância e importância dentro e fora do âmbito específico da arquivística.
Acho é que não podemos nunca ficar fechados a uma única especialização e a uma única tarefa. Devemos tentar ter conhecimentos mais abrangentes, pois só assim poderemos evoluir, pessoal e profissionalmente.
(Archivoz) De que forma perspectiva os museus e os arquivos num futuro não muito distante?
(Teresa Oliveira) Muito honestamente, no estado em que estão, começo a vê-los fechados. No entanto, acredito que devem ser espaços cada vez mais abertos, locais de encanto e de aprendizagem, de preservação e estudo do património, sem dúvida, mas, acima de tudo lugares de conversa, cujos acervos possam servir, não só para a investigação nas diversas áreas do saber, mas também de ponto de partida para discussões, com múltiplas pessoas, que cruzem o passado e o presente e temáticas relevantes da actualidade. Mas para poderem alcançar esse futuro é necessário ter recursos, e esses estão a escassear cada vez mais. Se nem capacidade para concretizarem as funções de base, de investigação e inventariação, algumas destas instituições têm, quanto mais o resto…
Entrevistada
Teresa Oliveira
Historiadora e investigadora, mentora do projeto Genealogia sem Segredos, assistente de investigação do prestigiado Projeto “Vinculum” apresenta-nos um pouco da sua já diversificada experiência, talento e concretizações na área da investigação histórica e dos arquivos.
Entrevistadora
Alexandra María Silva Vidal
Editor de conteúdo, Archivoz Megazine
Archivera en el Archivo Historico de la Iglesia Lusitana (comunión anglicana de Portugal); Miembro de proyetos archivísticos en el Archivo Distrital de Braga.