(Archivoz) Não poderia deixar de começar por destacar o seu notável currículo. Fale-nos do seu percurso formativo e profissional até chegar às funções que desempenha atualmente, como Professora Convidada na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
(Sílvia Ferreira) Sou licenciada em Filosofia pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, curso que sempre desejei tirar. Prossegui os meus estudos em outro campo do conhecimento, que paralelamente, sempre me fascinou: a História da Arte. Depois de uma pós-graduação em Artes Decorativas, que me colocou em contato com o rico universo da produção artística dos séculos XVII e XVIII em Portugal, nomeadamente o da arte da talha, enveredei pelo mestrado e mais tarde ingressei no curso de doutoramento, trilhando sempre os caminhos da investigação nesta área, que ainda carecia e carece de mais estudo e ampla divulgação. A minha contínua atividade académica, que se desenvolveu também na participação em projetos de investigação financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia, nomeadamente naquele da Grande Panorâmica em Azulejo da Lisboa pré-terramoto (Lisbon in Tiles Before The 1755 Earthquake), 2010-2013 e naquele denominado Robbiana (The Della Robbia Sculptures in Portugal: History, Art and Laboratory), 2014-2015, ambos coordenados pelo Professor Pedro Flor, fortaleceu a prática de investigação e proporcionou-me uma maior experiência de âmbito interdisciplinar e outros horizontes de conhecimento. Os anos do meu pós-doutoramento permitiram-me abordar a temática da dispersão, recolocação e destruição das obras de talha, em função de múltiplos eventos: o terramoto de 1755, a extinção das ordens religiosas em 1834, a Lei da Separação das Igrejas e do Estado, de 1911, ou as intervenções da antiga Direção Geral dos Edifícios e Monumentos Nacionais, responsáveis pela “limpeza” de grande parte dos objetos de talha barrocos do interior de monumentos nacionais, maioritariamente dos séculos XIII-XVI, que se considerava alterados no seu espírito construtivo inicial. Para além dessa vertente, tomei contato pela primeira vez com o espólio profissional do professor e investigador norte-americano Robert C. Smith (1912-1975), que dedicou muitos dos seus estudos à arte barroca de Portugal e do Brasil, fundo documental e fotográfico legado por ele à Fundação Calouste Gulbenkian, por disposição testamentária, e que continuo a trabalhar. Este percurso permitiu-me ainda a participação em vários cursos, como formadora convidada, lecionação em entidades de ensino superior, como professora convidada e a constante presença em Congressos e outros eventos em Portugal e no estrangeiro, bem assim como publicações em revistas e livros.
(Archivoz) O seu percurso científico, como historiadora de arte, é extraordinário, mensurável em largas dezenas de publicações, entre livros, edições e capítulos de livros, artigos em actas de congressos e revistas, etc. Como é que foi o seu primeiro contacto com esta realidade, quando é que nasceu a vontade de desenvolver investigação em história de arte?
(Sílvia Ferreira) Como disse anteriormente, essa vontade nasceu na pós-graduação em Artes Decorativas, quando me dei conta da qualidade e quantidade de obras de talha portuguesa, que apesar do reconhecimento mais global que começavam a ter, nomeadamente pelos estudos de Robert Smith, de Natália Ferreira Alves, da Universidade do Porto e de Francisco Lameira, da Universidade do Algarve, ainda se encontravam longe de uma mais vasta, concertada e dinâmica operação de investigação nos vários territórios de Portugal continental e ilhas. Da constatação da riqueza deste património e da quase total ausência de visibilidade e entendimento alargado pelas instituições nacionais por ele responsáveis, surgiu quase naturalmente e como imperativo a minha dedicação a este campo de estudos.
(Archivoz) Em 2009 doutorou-se em História, na especialidade de Arte, Património e Restauro, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa, com a tese A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os Artistas e as Obras. Quais foram as principais conclusões a que chegou na investigação que desenvolveu?
(Sílvia Ferreira) Que o universo de encomenda, produção e consumo da arte da talha barroca executada pelas oficinas de Lisboa era um campo quase desconhecido na sua dimensão real, apesar dos esforços pioneiros de historiadores de arte e investigadores como Vergílio Correia, Reynaldo dos Santos, Ayres de Carvalho e Robert Smith, a que se associou mais tarde Vítor Serrão. A contextualização histórica, social, económica e cultural de Portugal e, em especial de Lisboa, entre o reinado de D. Pedro II e inícios de reinado de seu filho D. João V, permitiu o entendimento mais abrangente das motivações para a escolha desta arte na decoração interna das igrejas, que se materializou em altares e outros equipamentos, como órgãos, púlpitos, coros, arcos triunfais, cadeirais, entre outros. O reforço da Igreja da contrarreforma e dos seus dogmas potenciou a arte da talha como veículo preferencial de exposição das verdades sacras. O ambiente de interiores maioritariamente dourados, que remetem para a emanação da luz divina, foi essencial na chamada dos crentes à Igreja, ambientes que eram pensados e executados segundo um programa artístico, a mais das vezes coerente e bem estabelecido. A articulação das artes, na qual se conjugavam a azulejaria, a talha, os embutidos marmóreos, as artes da pintura, dos têxteis, os trabalhos em pasta de papel e em cera, erigia um cenário de opulência, que preenchia completamente todos os ângulos de visão do observador e que despertava neste, através dos sentidos, a mais fácil admiração e consequente veneração.
As encomendas destes altares e demais equipamentos eram feitas, na sua grande maioria, pelas irmandades sediadas em igrejas paroquiais e conventuais, pelas ordens religiosas, misericórdias, ordens terceiras e mesmo pela coroa. A sua procura potenciou o grande crescimento e prestígio das oficinas dos mestres e oficiais entalhadores e escultores de madeira, que se fixaram essencialmente no Bairro Alto junto a palácios, igrejas e conventos, que desde inícios do século XVII, e na sequência da instalação dos jesuítas em São Roque, pululavam por toda aquela zona da cidade.
A dimensão das oficinas, a sua vasta produção para a cidade de Lisboa e também para as áreas limítrofes, como as zonas do Oeste ou da outra margem do Tejo e, também, para as então colónias, como o Brasil e África, foram uma surpresa.
Os custos monetários envolvidos, os esforços de irmandades e ordens religiosas, que chegavam a pedir múltiplos empréstimos de dinheiro, devolvem-nos a relevância e o prestígio que esta arte detinha naqueles séculos. Deste apogeu, que envolveu quase todos os sectores da sociedade portuguesa de então, ficou-nos na atualidade uma pálida imagem, que, contudo, urge reconhecer, estudar e divulgar para a sua preservação e divulgação, como testemunho de um tempo e de uma arte que o soube interpretar e refletir.
(Archivoz) Um dos mais recentes livros de que é editora, intitula-se Igreja Matriz de Loures. Descodificar o passado, projetar o futuro. Que elementos gostaria de destacar nesta publicação a ser publicado no segundo semestre deste ano pela Câmara Municipal de Loures em parceria com o Instituto de História da Arte da NOVA FCSH e da Santa Casa da Misericórdia de Loures?
(Sílvia Ferreira) O livro resulta das comunicações apresentadas ao colóquio, que teve lugar na Igreja Matriz de Loures com o mesmo título, em 14 de abril de 2018, decorrente de uma parceria institucional entre o IHA/ NOVA FCSH e a Câmara Municipal de Loures.
Gostaria de salientar os contributos interdisciplinares que este livro apresenta. Procurou-se reunir um conjunto de especialistas nas áreas da arqueologia, da história, da história da arte, da epigrafia e da museologia, que com o seu contributo pudessem trazer ao conhecimento da população de Loures, do público em geral e da Academia, os mais recentes estudos, não só sobre a história e arte da Igreja Matriz de Loures, mas também da própria localidade onde foi fundada. Apesar de ser classificada como Monumento Nacional desde 1910, e central no desenvolvimento do território da cidade de Loures, a Igreja Matriz nunca tinha sido alvo de um estudo abrangente e integrado, que pudesse dar a conhecer essa sua centralidade e relevância, enquanto testemunho da vivência das populações que se fixaram naquela localidade e também das várias campanhas de arquitetura e de composição dos seus interiores, que espelham as artes da pintura, da talha dourada, dos embutidos de mármore, da imaginária, da azulejaria, das alfaiais litúrgicas e da epigrafia. Neste momento, o livro está em preparação e espera-se a sua edição, numa primeira fase em modelo de e-book, para o segundo semestre deste ano. Será uma edição preparada em parceria com a Câmara Municipal de Loures, a Santa Casa da Misericórdia de Loures e o IHA/NOVA FCSH. Esta primeira publicação pretende dar continuidade à colaboração entre as três entidades e inaugurar um programa concertado de divulgação patrimonial do Município, que, como sabemos conta com monumentos marcantes, que ainda carecem de estudo e divulgação.
(Archivoz) Na mesma linha, de investigação sobre igrejas, é um dos editores e uma das autoras de textos da obra Feição especialíssima. A Igreja dos Anjos, publicada em 2020, com a chancela das Letras Paralelas. O que nos pode dizer da investigação que efetuou sobre esta notável igreja?
(Sílvia Ferreira) A Igreja dos Anjos, localizada na então freguesia homónima, em Lisboa, foi sempre, para um vasto conjunto de investigadores em história da arte e do urbanismo da cidade, um caso exemplar de estudo, que apesar da sua grande mais-valia, nunca tinha conhecido uma abordagem de conjunto. O facto de ser, em Lisboa e mesmo para o resto do país, um caso singular de recolocação de interiores numa estrutura arquitetónica completamente nova, tornava-a ainda mais interessante e apetecível do ponto de vista da investigação.
Como se sabe, a antiga igreja dos Anjos teve de ser demolida para se rasgar a antiga Avenida D. Amélia, posteriormente rebatizada de Almirante Reis. O processo foi tudo menos pacífico entre a população do bairro e especialmente entre a Irmandade do Santíssimo Sacramento e a edilidade.
O compromisso alcançado entre a Câmara Municipal de Lisboa e os guardiães da igreja foi a construção de um novo espaço de culto na nova avenida projetada, com a ressalva de que o projeto arquitetónico respeitasse as medidas exatas do interior da antiga igreja, de forma que todas as artes presentes fossem recolocadas como se encontravam antes. Nasce, assim, nesta nova artéria da cidade, um novo templo projetado pelo arquiteto José Luís Monteiro (1848-1942), de feição neoclássica, cujo interior alberga o espólio artístico do antigo templo dedicado aos Anjos. Talha, azulejaria, pintura de tetos, pintura de cavalete, escultura, alfaias litúrgicas, tudo se move e se estabelece nessa nova casa, numa empreitada de grande monta.
Tanto o fascinante processo de remoção e recolocação dos interiores como as artes em si, que foram recolocadas, nunca tinham conhecido estudo integrado e de conjunto. Este livro foi pensado inicialmente por mim e pelo meu colega Paulo Campos Pinto, professor na Universidade Católica de Lisboa, e logo abraçado pelos colegas a quem lançámos o desafio de investigação e publicação sobre a igreja. Assim, o estudo da freguesia, sua evolução e presença de artistas na mesma foi elaborado por Pedro Flor, a arquitetura da antiga igreja e as obras de pedraria foram abordadas por Maria João Pereira Coutinho e a remodelação da estrutura viária, a edificação da nova igreja e a recolocação dos interiores foi estudada por Hélia Silva e Tiago Borges Lourenço. O estudo da pintura de cariz eucarístico foi elaborado por Paulo Campos Pinto e a abordagem à talha e esculturas barrocas coube-me a mim. As irmandades e as obras de azulejaria e restante pintura, que encomendaram, foram estudadas por Susana Varela Flor e as peças que constituem o acervo de alfaias litúrgicas por Maria Isabel Roque, com um contributo de Maria João Pacheco Ferreira. Como se constata, reuniu-se um elenco de vários especialistas nas suas áreas de trabalho, que a partir do rico arquivo histórico da igreja encontraram as bases fundamentais para o desenvolvimento da sua investigação, alicerçando-a igualmente, na bibliografia algo dispersa, mas ainda assim relevante, sobre a freguesia, a antiga e a nova igreja.
Quanto à investigação que singularmente levei a cabo sobre a obra de talha e escultura presentes na igreja dos Anjos, ela decorreu alicerçada nos meus anteriores trabalhos sobre a retabulística de Lisboa da época barroca, com destaque para o conhecimento dos artistas, das obras e da contextualização histórica e social, tanto da época em que trabalharam como da tessitura social em que se moviam. Neste caso particular, a compulsão dos antigos livros e mais documentos avulsos das irmandades que se sediavam na igreja dos Anjos, com destaque para a irmandade do Santíssimo Sacramento, a mais influente e que custeou as obras de maior monta na igreja, foi essencial. Pela documentação foram-me reveladas várias campanhas de obras, respeitantes aos altares da nave e colaterais, mas mais relevante ainda, a todo o projeto de revestimento decorativo da igreja, que englobou as molduras da nave, do coro alto e bem assim painéis decorativos do corpo da igreja. Nomes de entalhadores da Lisboa fino seiscentista e setecentista surgiram, a par dos avaliadores, mestres consagrados da arte da talha. Escultores, como o bem conhecido José de Almeida, que estadeou em Roma, deixaram também obras suas na igreja dos Anjos, a provar que este templo esteve sempre na vanguarda artística, que cobriu grosso modo os reinados de D. Pedro II e D. João V.
(Archivoz) Ainda no que respeita a publicações recentes, em 2021 coordenou, com Patrícia Urias, o livro Barroco em movimento. Portugal e Brasil e a construção de um novo olhar, que será publicado este ano, pela editora Enredars da Universidade Pablo Olavide de Sevilha, Espanha. O que nos pode adiantar sobre esta obra?
(Sílvia Ferreira) Este projeto nasceu de um convite feito por Fernando Quiles García, professor titular de História da Arte na Universidade Pablo Olavide de Sevilha e diretor da editora Enredars da mesma Universidade. O convite, endereçado também à colega Patrícia Urias, da Universidade Federal de Minas Gerais, visou a preparação de uma publicação, que espelhasse os mais recentes contributos da investigação científica em torno da arte luso-brasileira da época do Barroco. A publicação surge integrada na coleção “Universo Barroco”, que conta já com mais de duas dezenas de títulos dedicados à arte do Barroco Iberoamericano, com destaque para as ligações culturais e artísticas entre a Espanha e a América do Centro e Sul e entre Portugal e o Brasil. Em torno deste projeto conseguimos reunir uma série de investigadores académicos e independentes, uns com carreiras firmadas, outros, jovens pesquisadores, que generosamente aderiram ao projeto e elaboraram os seus textos, apresentando os mais recentes estudos sobre temas como as artes da retabulística, dos jardins, da arquitetura, da escultura, da tratadística aplicada ou das artes decorativas.
(Archivoz)Desde 2010 que tem estado ligada a vários projetos financiados pela Fundação para a Ciência e a Tecnologia. Mais recentemente, desde setembro de 2021, que coordena o Seed project do Instituto de História da Arte da NOVA FCSH A Biblioteca Joanina de Coimbra, história e arte. Um estudo inédito de Robert C. Smith, no âmbito de uma parceria estabelecida entre o Instituto História da Arte, a Imprensa da Universidade de Coimbra e a Fundação Calouste Gulbenkian, que finalizou em março passado. Quais os objetivos e principais resultados e evidências deste projeto?
(Sílvia Ferreira) Este projeto surgiu enquadrado nos meus estudos em torno do espólio profissional, que Robert C. Smith legou em testamento à Fundação Calouste Gulbenkian. No conjunto de documentação e outros suportes legados encontra-se vasta produção deste historiador com a finalidade de dar à estampa um livro sobre a história e a arte da Biblioteca Joanina de Coimbra. Smith dedicou-se a estudar a arte barroca portuguesa desde finais dos anos trinta do século XX e foi autor de dezenas de publicações, em revistas nacionais e estrangeiras, privilegiando a escrita em português (que dominava bem). Da sua autoria são alguns dos mais relevantes livros sobre arte portuguesa barroca, nomeadamente sobre talha, mobiliário e escultores do barroco do Minho. The Art of Portugal, A Talha em Portugal, Frei José de Santo António Vilaça, Cadeirais de Portugal ou Nicolau Nasoni são alguns dos títulos que deixou e que ainda hoje são bibliografia incontornável para quem investiga os temas da arte portuguesa do barroco.
Percebe-se, pela compulsão do material manuscrito, datilografado, fotocopiado, que Smith se dedicava intensamente à produção de uma publicação de monta sobre esta biblioteca, pelo menos desde há sete anos antes da sua morte, em 1975. O material que deixa permite-nos atualmente reconstituir a sua investigação e perceber os meandros da mesma. A epistolografia trocada entre dirigentes, funcionários de instituições de cultura, de Coimbra, do Porto e de Braga e entre colegas de profissão, revelam os seus métodos de trabalho e os meios onde se movia. Sendo um trabalhador e estudioso compulsivo, anotava tudo e questionava o que lia e investigava. Deixou prontos os dois capítulos do livro, um escrito em português (história da edificação) e outro em inglês (atribuição e leitura estilística), que pretendemos publicar em edição bilingue.
A Biblioteca Joanina de Coimbra é um edifício central no Paço das Escolas daquela cidade, pela sua história construtiva, pela magnífica coleção de livros antigos e, alguns, raros e pelos seus interiores barrocos. No entanto, apesar de conhecer já vasta publicação dada à estampa, maioritariamente sobre a coleção de livros que alberga, nunca conheceu um estudo exaustivo sobre as artes que nela se observam.
Penso que a grande novidade que este livro trará será a análise das artes presentes na Biblioteca, com referência aos seus artistas, aos tempos de execução e aos paralelismos com outros edifícios, quer em Portugal, quer em Itália e em França, bem como com as artes do barroco na orla de Coimbra, algumas relacionadas com a estética vigente na Biblioteca. Smith ensaiou, pela primeira vez, uma análise estilística às artes presentes na Joanina de Coimbra, com destaque para a da fachada da Biblioteca e aquela de talha presente nos interiores. A partir daí inicia um processo de análise comparativa que o leva de Lisboa, a Roma, passando por Paris. As conclusões a que chega, alicerçadas na sua vasta experiência de historiador de arte, são amplamente fundamentadas na observação empírica, nos estudos que compulsou e nas relações artísticas que conseguiu estabelecer.
(Archivoz) Na sequência da primeira questão, e considerando a experiência que tem como investigadora em projetos nacionais, como é que vê o futuro da história de arte em Portugal e quais é que pensa que são os grandes desafios que se deparam aos respetivos profissionais?
(Sílvia Ferreira) O futuro desta disciplina, que em Portugal, é jovem (o primeiro mestrado em História da Arte surgiu na Universidade Nova de Lisboa, Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em 1976, pela mão do professor José Augusto França), enfrenta sérios desafios na articulação entre uma sociedade em vertiginosa mudança e o tempo longo que a investigação, a reflexão e a produção de saber reclamam. A tecnologia e a ciência em geral, muito têm alicerçado e impulsionado a história da arte para novos horizontes de conhecimento impensáveis até há bem pouco tempo. A absoluta novidade e avanços que as ferramentas tecnológicas, como por exemplo, a realidade virtual, a realidade aumentada ou os estudos de laboratório oferecem à história da arte e a áreas afins como a arqueologia, abrem horizontes de investigação e conhecimento notáveis. Penso que o maior desafio será manter viva e atuante a interdisciplinaridade, que tanto aproveita a todas as ciências, sem perder a noção de onde o historiador de arte tem sempre de partir: o objeto, o seu contexto de produção, quem o desejou e quem o executou, enfim, o tecido social, cultural e económico que tornou apetecível a sua produção e a sua função e vida dentro de uma conjuntura específica e para além dela. Como sabemos, a vida das obras de arte é fluída e plena de ressignificações, e é também nesse fluxo de vida da obra que o historiador de arte se posiciona, a tenta ler, descodificar e projetar o seu lugar na atualidade.
(Archivoz) Por último, caso seja possível, gostaria que nos desse conta dos seus projetos, em termos de investigação.
(Sílvia Ferreira) Neste momento continuo a trabalhar no projeto de edição crítica do livro de Robert C. Smith dedicado à Biblioteca Joanina, trabalho que não se esgotou e que, pelo contrário, continua para além do estrito tempo de vigência formal do projeto apoiado pelo IHA/NOVA FCSH, e que espero terminar até ao final deste ano.
Paralelamente a este projeto, faço parte da comissão organizadora do congresso internacional “Confluências artísticas na cultura Iberoamericana (1600-1850). O mundo de Robert C. Smith (1912-1975)”, a par de Filomena Serra (IHC/NOVA FCSH) e Dalton Sala, investigador independente e comissário da exposição de 2000, na Fundação Calouste Gulbenkian dedicada à vida e obra de Robert Smith. Este congresso irá ter como keynote speakers o professor Josiah Blackmore, detentor da cátedra Nancy Clark Smith para estudos portugueses, instituída por Robert Smith no seu testamento, na Universidade de Harvard, nos EUA e com o diretor do Museu Calouste Gulbenkian, o professor António Filipe Pimentel, que conhece bem a produção académica de Robert C. Smith, no que aos estudos da arte barroca portuguesa concerne. Decorrerá nos dias 14 e 15 de novembro deste ano na Fundação Calouste Gulbenkian e no dia 16 no Palácio de Queluz- Parques de Sintra. Com este congresso pretende-se promover a revisitação da obra deste historiador norte-americano, à luz dos desenvolvimentos e das questões emergentes da atualidade na história da arte e da cultura iberoamericanas. No imediato, e porque o espólio profissional de Smith é vastíssimo, continuarei a trabalhar no projeto do tratamento e divulgação dos seus estudos inéditos, bem como na epistolografia trocada entre ele, várias instituições e os seus colegas e amigos. Só com Flávio Gonçalves, historiador de arte da Póvoa do Varzim, trocou mais de três centenas de cartas, das quais pretendo analisar e transcrever uma seleção. Prevejo igualmente para o início do próximo ano a organização de um colóquio dedicado à freguesia dos Anjos, em Lisboa, ampliando os temas e alargando o espetro de autores, relativamente à edição de 2020, do Livro ´Feição especialíssima`. A Igreja dos Anjos. Como tessitura e matriz destes estudos que vou desenvolvendo, continuo a minha investigação sobre a arte da talha barroca, principalmente na órbita da escola de Lisboa.
Imagem cedida pela autora: Biblioteca Joanina de Coimbra

Sílvia Ferreira
Investigadora integrada do Instituto de História da Arte da NOVA FCSH.
Doutora em História na especialidade de Arte, Património e Restauro, pela Faculdade de Letras de Lisboa, com tese intitulada: A Talha Barroca de Lisboa (1670-1720). Os artistas e as obras (2009).
Desenvolveu o seu pós-doutoramento no Instituto de História da Arte da NOVA FCSH, com o apoio da Fundação para a Ciência e a Tecnologia e, atualmente, é investigadora contratada da mesma instituição com o projeto de estudo: “O legado de Robert Chester Smith: novas perspetivas para a História da Arte, em Portugal”, o qual se centra na sistematização, estudo e divulgação alargada, em contexto multidisciplinar, do espólio profissional deste historiador de arte norte-americano. É membro integrado do Instituto de História da Arte da mesma Universidade, em duas linhas de investigação: “Lisbon Studies” e “Pre-Modern Visual and Material Cultures”.
Tem participado em congressos e outros eventos de carácter científico, promovidos no país e no estrangeiro, e tem participado em comissões organizadoras destes encontros. É autora e coautora de diversas publicações e tem coordenado obras de divulgação científica na área da História da Arte e do património.