Entrevistamos Rachel Bueno, Especialista em Documentação com 40 anos de experiência na área de arquivos, nos conta um pouco de sua trajetória profissional, da gestão documental e dos desafios do profissional arquivista.
(Archivoz) Rachel você é Bibliotecária de formação e Especialista em Documentação, conte-nos o que te levou a mudar da biblioteconomia para a arquivística.
(Rachel Bueno) Na realidade não mudei, simplesmente tropecei na arquivística. No primeiro ano da graduação estagiei em uma empresa de processamento de dados no setor de informação coorporativa; em seguida, também em setor de informação, fui contratada para análise de dados para subsidiar propostas de empreendimentos na área da engenharia.
A partir daí, foi um caminho sem volta: os arquivos. Percebi que realmente minha área era a da informação, mas da informação orgânica e do grande desafio de converter o conceito de “arquivo morto” em gestão, organização e acesso.
(Archivoz) Ainda temos discussões entre os campos da biblioteconomia e arquivística, como você transitou pelas duas áreas, é possível que esses conhecimentos andem juntos e facilite o trabalho dos profissionais dessas áreas? Como?
(RB) Como dito anteriormente, não transitei profissionalmente nas duas áreas; por força da dinâmica da arquivística, não é possível o desenvolvimento de um projeto sem a colaboração de profissionais de outras áreas: biblioteconomia, direito, administração, história, etc.
(Archivoz) Sua atuação maior é como arquivista de documentação corrente, ainda temos problemas conceituais sobre a teoria das idades e muitas vezes a documentação chega sem tratamento algum na fase permanente, como minimizar essa questão?
(RB) Há muitos questionamentos à teoria das três idades, mas a aplicação de políticas de gestão documental, independente da linha de pensamento que se adote é imprescindível para que os documentos permanentes / históricos possam ser preservados e custodiados com proveniência e organicidade.
(Archivoz) Como foi atuar como arquivista na Prefeitura de São Paulo?
(RB) Tive um privilégio como poucos: ingressei na PMSP no recém-criado Departamento de Informação e Documentação Artística – IDART, subordinado à Secretaria de Cultura do Município. Fiz parte da equipe do Arquivo Multimeios, com um acervo composto por nove grandes áreas temáticas: Arquitetura, artes Cênicas, Artes Gráficas, Cinema, Comunicação de Massa, Fotografia, Literatura e Música. Documentos estes, que já em 1.978 foram agrupados por “evento” (peça teatral, cinema, exposições, etc.), suporte do documento, itens documentais. Eram encaminhados ao Arquivo “descritos” pelo(s) pesquisador(es) da área produtora: temos aí um bom exemplo da “descrição arquivística’ em seus primórdios. No setor de Hemeroteca, tivemos também, a experiência de olhar os periódicos, não como recortes, mas como matérias de interesse sempre ligadas ao momento socio político da época. Não havia “recortes”, o periódico tinha sua página preservada para não perder o contexto.
(Archivoz) Quais são os desafios do arquivista que atua no setor público? E quais são as mudanças necessárias para uma boa atuação?
(RB) Além da falta de vontade política por parte dos dirigentes, o maior desafio do arquivista em gestão no setor público é o próprio arquivista: não temos graduados o suficiente para cobrir a demanda e para estes falta “vivência”, considerando a extensão do mundo arquivístico. Deveríamos pensar em mudar o conceito do profissional arquivista, tendo em vista que os atuantes mais renomados vêm de outra área: história, jornalismo, administração, etc. Teríamos mais profissionais trazendo ganhos significativos para todos.
(Archivoz) Como é atuar como consultora em empresas privadas? Quais são os desafios que enfrenta?
(RB) Na área privada lidamos muito com a resistência dos colaboradores e como a maioria dos documentos, produzidos hoje, são nato digitais, eles não são vistos como “documentos” e sim arquivos que não incomodam e não ocupam espaço. Outro problema são os aplicativos de ECM e Workflow que são tratados como gestores informatizados de documentos de arquivo, quando na realidade a maioria é só um gestor de informação.
Então há dois momentos distintos, a massa acumulada (geralmente em suporte analógico) e a produção corrente (nato digitais), o desafio? Fazer com que todos tratem o documento e não o suporte.
(Archivoz) Atualmente você é professora na Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FESPSP) no curso de Gestão Arquivística. O que falta na formação do profissional da área de arquivos? Como minimizar a defasagem de ensino, já que em São Paulo há somente dois cursos de ensino superior em arquivologia?
(RB) Citei anteriormente que o conceito de arquivista graduado é uma barreira que não atende à demanda existente, tanto no setor público, quanto no privado. O maior mérito dos cursos de pós em Gestão Arquivística é desmistificar os arquivos e mostrar como os caminhos da Arquivística estão ligados a várias áreas de atuação, fazendo com que a defasagem possa ser minimizada.
(Archivoz) Vivemos um momento que todos querem digitalizar seus documentos, esperando que assim todos os problemas sejam resolvidos. Como trabalhar essa questão socialmente, já que temos projetos de leis que visam a queima de arquivos físicos?
(RB) A gestão documental vai muito para além do simples tratamento e digitalização de documentos em papel, mas temos vários aspectos para levar em conta:
– Considerando a história, os interesses de hoje pelo passado mudam com o tempo e eliminar um documento original é “desmaterializar o DNA do documento”; sua destruição deixariam as pesquisas inviáveis, dependendo de como e porque, o contato com o documento é essencial.
– Como é possível substituir um documento arquivístico original sem termos a garantia de autenticidade e principalmente de sua preservação? Ainda não temos políticas para este armazenamento confiável.
E aí temos um ponto, debatido à exaustão, que é a educação de base: se não houver mais integração nas disciplinas ensinadas desde o início do ensino formal, seja história, ciências, artes, etc., ligadas à observação do passado para melhor compreensão do futuro, não teremos mais do documento histórico, as pesquisas e os muitos porquês.
(Archivoz) Você tem falado em palestras sobre a gestão documental, quais são os caminhos para uma boa gestão?
(RB) A Gestão Documental deve ser tratada de forma centralizada e como um processo de trabalho formal em qualquer empresa. Este tratamento centralizado tem sido um grande desafio principalmente pelo surgimento de novas formas de entrada e saída de documentos (e-mail, por exemplo) e a falta de procedimentos para o controle de documentos arquivísticos desde sua entrada ou produção até sua saída ou arquivamento na instituição. A “boa gestão” está ligada ao entendimento que políticas de gestão documental são a base da informação e do conhecimento, pois esta gestão impacta de forma direta na produtividade e, consequentemente, nos resultados obtidos pela empresa.
(Archivoz) Com mais de 40 anos de carreira, o que você tem a dizer para quem quer seguir a profissão de arquivista?
(RB) Começaria dizendo que é a melhor profissão do mundo: cada acervo é um estudo lógico, desafiante e uma viagem indescritível aos subterrâneos de uma organização. O arquivista é um profissional inter e multidisciplinar, sendo necessário ter disciplina, estudo contínuo (técnico-científico), um conhecimento, ao mesmo tempo amplo, técnico e específico para tratar adequada as informações de qualquer organização ou pessoa física, em qualquer suporte ou formato, com ou sem apoio de tecnologias. Deverá também primar princípios éticos, fundamentais. Poderá atuar como gestor de instituições arquivísticas, na docência, como pesquisador entre outras muitas funções.
Agradecemos a Rachel pela entrevista, e nos falar um pouco de sua larga atuação no mundo dos arquivos e mostrar sua visão sobre a gestão documental e sobre a carreira do profissional arquivista.