Entrevistámos Salete Salvado, Vice-Presidente do Grupo Amigos de Lisboa.

(Archivoz) Fale-nos um pouco do seu percurso académico e profissional, até chegar à direção do Grupo Amigos de Lisboa, em 2006.

(Salete Salvado) Caríssimo Dr. Paulo Batista, quero agradecer-lhe o ter-me incluído no projeto Archivoz, dando-me a oportunidade de dar “voz” ao Grupo Amigos de Lisboa. Nasci em 1936, em Lisboa, na freguesia de Santa Maria de Belém, local privilegiado em termos de História e Património, o que talvez não seja estranho ao meu gosto por estas matérias.

Para responder às questões que me põe, será necessário lembrar que o tempo em que decorreram as minhas carreiras, a profissional e a académica, nada tem a ver com a realidade atual quer quanto à acessibilidade aos graus académicos quer quanto à simultaneidade de carreiras.

Em 1959 licenciei-me em Filologia Germânica (FFL-UCL), em 1961 terminei as cadeiras de Ciências Pedagógicas e de 1961 a 1975 licenciei-me em Ciências Históricas, variante de Arqueologia. Esta segunda licenciatura foi feita ao abrigo do estatuto de aluno voluntário, pois estava já a trabalhar na C.M. Lisboa. Nunca encarei uma carreira académica que, ao tempo, me obrigaria a deixar o meu emprego seguro, do qual eu dependia, embora tivesse sido incentivada a fazê-lo, mas, em boa verdade, os desafios que o meu trabalho na C.M.L. me punham e um crescente amor por Lisboa afastaram-me desse cenário.

Em 1 de Março de 1961 entrei para a C. M. Lisboa como tradutor intérprete, trabalhando na extinta secção de Propaganda e Turismo e no Serviço de Protocolo. Convirá referir que, não havendo ao tempo uma escola de formação de intérpretes, eu consegui ser muito eficiente graças a uma obra do acaso. Entre 1957 e 1960 participei  nos Campos Internacionais de Trabalhos de Arqueologia realizados em  Portugal e num estágio em França. Habituei-me durante esses meses a ouvir em simultâneo varias línguas e a falar na língua necessária no momento, sem traduzir do Português mas construindo diretamente a frase e a criar artifícios de memória quando a tradução não era imediata.

Esta capacidade permitiu-me um desempenho inesperado no meu trabalho como intérprete do Presidente da C.M. Lisboa. Esta vertente deu-me entrada no complexo mundo das cerimónias e acontecimentos internacionais que envolviam a C.M.L. Foi uma experiência verdadeiramente extraordinária.

Por outro lado estava profundamente envolvida nas tarefas quer da Secção quer da 6ª Repartição que lhe sucedeu, em que a prioridade era dada à atividade editorial. Com técnicos como o pintor Vitor Belém e o Dr. Alfredo Theodoro, na execução gráfica, coordenei e fui autora de alguns dos mais belos e eficazes  desdobráveis produzidos pela C.M.L. até 1973, assim como um vasto leque de publicações que teve o seu clímax no livro” Lisboa-Cidade de Turismo”. Os nossos cartazes e material informativo granjearam prémios internacionais. Muito do trabalho preparatório era feito na rua, experimentando itinerários e, nessas alturas, juntava-se ao grupo o fotógrafo profissional Armando Serôdio. Uma das características deste grupo era a de gostar do trabalho que fazia, o que o levou o nosso chefe de Repartição a dar-nos grande liberdade de iniciativa, o que também causava grande espanto e alguns maus pensamentos nos funcionários de outros serviços. Desde esse tempo e até 1973 e depois desde 1983 a 1989 estive, com crescentes graus de responsabilidade, envolvida na organização e edição da Revista Municipal – 1ª e 2ª séries. Na Repartição de Acção Cultural e depois no Departamento de Património Cultural a atividade tornou-se ainda mais diversificada, exigente e quase frenética, com uma pesadíssima máquina administrativa cuja gestão fui obrigada a aprender com eficácia e que constituiu um acrescido desafio. Para um bom desempenho foi-me extremamente útil ter sido Vereadora da C.M. de Oeiras entre 1977 e 1982 com o pelouro da Acção e Património Cultural.

A partir de 1983 passei  a contactar com o Grupo Amigos de Lisboa, estando sempre disponível para guiar visitas que me eram pedidas, o que levou a que em 1997 me fizessem uma festa de homenagem.

Toda esta experiência diversificada e muito vivida foi posta ao serviço do Grupo Amigos de Lisboa, de que era sócia desde 29/07/1997 ao ser eleita Presidente da Junta Diretiva em 18/03/2006, data que marca esta ultima fase da minha vida.

(Archivoz) Como referido, integra a direção do Grupo Amigos de Lisboa, desde 2006. Que balanço faz do exercício deste cargo?

(Salete Salvado) Ao ter aceite o convite para liderar a equipa gestora do G.A.L. aceitei um risco que ao tempo não fui capaz de avaliar. Estando viúva desde1983, tendo entretanto as minhas filhas constituído família, a morte da minha mãe, de cuja saúde e bem estar eu me ocupara prioritariamente deixaram um grande vazio na minha vida. Quando o falecido dirigente Eduardo Sucena me convidou, eu embora hesitando, considerei que este seria um desafio capaz de me ajudar a superar a profunda sensação de perda. Os três primeiros anos implicaram uma tentativa de adaptação a pessoas e a um universo de sócios que me eram todos desconhecidos, tendo o ano de 2006 sido particularmente difícil em termos de saúde, que implicou uma longa cirurgia de risco. Havia no GAL uma grande falta de profissionalismo na gestão burocrática e financeira, mas, em contrapartida um grande envolvimento nas atividades culturais nem sempre realizadas com um mínimo de organização e disciplina. Havia problemas graves a resolver entre as quais o da “herança” deixada por Gabriela Silva de bens em avos de que o GAL era co-herdeiro com a Sociedade Nacional de Belas Artes e a C.M.L. Um outro problema era a confusa situação jurídica.

Por parte dos sócios parece-me que havia se não uma atitude amistosa  pelo menos uma aceitação sem reserva da pessoa que eu era e que a partir dos finais de 2006 estava presente em todas as visitas de estudo, palestras e almoços, etc. Porém, por parte de muitos membros da Junta Diretiva que até aquele momento me eram desconhecidos, com exceção de Appio Sottomayor, existiu sempre uma reticência e uma má vontade que ainda hoje não consigo entender. Em Setembro de 2008 comuniquei aos colegas o meu desejo de deixar a Presidência da Junta Diretiva e expliquei as principais  discordâncias em relação a gastos do GAL. Porém, a morte de um dos dirigentes e a debandada de outros, e tendo consciência do tempo e trabalho que, apesar de tudo, eu tinha investido, o Appio Sottomayor, o Dr. Armando Caeiro e eu decidimos continuar, e pudemos, a partir de 2009 iniciar uma programa experimental de gestão que começou por pôr no são as várias situações irregulares de caracter jurídico e financeiro. A partir dessa data e até ao tempo presente dá-se uma atenção particularmente relevante a estes aspetos fundamentais para a saúde das instituições. Para além das atividades “normais” de palestras, visitas de estudo dentro e fora de Lisboa, edição do Boletim Olisípo, iniciámos também em 2009 com um ritmo anual ou quási anual, colóquios, jornadas e conversas, por vezes coincidentes com efemérides significativas para a história da Cidade, sendo as nossas principais dificuldades a crescente idade dos sócios e o decrescente espírito associativo. Todas as principais atividades são abertas a não sócios. Apesar de tudo, considero este um trabalho no GAL muito positivo, do qual relèvo o Protocolo assinado com a C.M.L. em 2020.

(Archivoz) Como surgiu e quais os objetivos do Grupo dos Amigos de Lisboa?

(Salete Salvado) O Grupo Amigos de Lisboa nasce de uma forma muito curiosa, Em 1864, é criada a Associação dos Arquitectos Civis Portugueses que corresponde à atual Associação dos Arqueólogos Portugueses, fundada por Joaquim Possidónio da Silva, e que, além dos arquitectos incluía “pessoas ilustradas” como sócios e até algumas senhoras. Embora cobrindo todo o país no seu programa, a Secção de Arqueologia Lisbonense depois chamada de Secção de Estudos Olisiponenses, a partir de 1925 e até á sua extinção em 1933, vai desenvolver desde o seu inicio um atividade saudavelmente frenética no estudo e intervenção cívica em defesa da Cidade. Os seus membros multiplicam-se em estudos, aquisições, localização de elementos importantes, contactos e intervenções junto da C.M.L, de ministérios, de instituições públicas e privadas, de particulares, etc. Nada escapava ao seu interesse e á emissão de opiniões sobre várias matérias, cujas diferenças, entre sócios, nos últimos anos da sua existência, se manifestam.

Em 1936, um grande número de antigos membros desta secção a que se juntaram jornalistas, publicistas e gente do mundo das Artes, reúnem-se no sentido de criar uma instituição que pudesse colmatar a ausência desse braço armado em defesa da Cidade que tinham sido as desaparecidas Secções. O mentor deste movimento é Luís Pastor de Macedo que já em 1917, numa carta ao jornal “ O Século”, falava da necessidade de criar um grupo de opinião fundamentada para e defesa da Cidade. O mesmo Pastor de Macedo, numa reunião de sócios fundadores (1936), refere que quando se tinha pensado na necessidade da criação de um grupo de Amigos de Lisboa, “sentira-se a necessidade da sua existência”, mas a sua função nunca fora definida e refere como criou uma Comissão Organizadora que definiu que deveria ter tão “principalmente um caracter científico”. Depois fala sobre a utilidade de tal grupo em face de rápida modificação da vida urbana em relação à qual as respostas urbanística e outras eram dadas sem que estivesse previsto o modo mais adequado de ação. No entender de Pastor de Macedo era necessário levar os munícipes a coadjuvar a ação dos organismos oficiais. Mais do que as administrações municipais, que mudavam de três em três anos, modificando frequentemente as orientações anteriores, o que faltava era “um corpo de doutrina e um volume de opinião científica sobre a vida da Cidade” de modo a impedir que as discussões e intervenções se fizessem sem uma prévia informação criteriosa e um amadurecimento consciente dos factos. Em seu entender as modificações acontecidas em Lisboa decorriam de determinações autocráticas, de modo que a população não lhes reconhecendo nem o interesse nem a necessidade, as olhava com indiferença ou com uma oposição aberta com perigo para a ordem pública. E diz mais adiante que é necessário informar a população, apresentando corretamente as matérias em causa, de forma que seja encontrada a solução “consoante o interesse citadino”. E ninguém melhor que Pastor de Macedo para definir a função do grupo “Amigos de Lisboa”:

Quanto a mim, está aqui a principal razão da essência do grupo dos “Amigos de Lisboa”. Competir-lhe-á esclarecer e educar a população, pôr em confronto a vida de outras cidades, fazer a propaganda dos princípios modernos da administração municipal, dos planos renovadores, preparar os interessados na defesa da sua colectividade contra o interesse descabido de cada um, fazer ressaltar as boas iniciativas para que sejam combatidas, em conclusão, transformar a “Opinião Pública” em verdadeira “Consciência Pública” “.

Refere depois o crescente gosto pela história de Lisboa, fala da secção, dentro do GAL, de “Estudos Históricos e de defesa do património ”Olisiponense” e ainda a secção de “Movimento Cultural e de Propaganda” e diz:

“Mas ainda há mais: a utilidade da secção ”Movimento Cultural e de Propaganda” é evidente. Quantas Exposições de interesse olisipógrafo não poderão ser promovidas, quantas evocações históricas não poderão ser realizadas, quantos conhecimentos não poderão ser provocados para ilustração do Povo? E sobre propaganda quanto não há ainda a fazer, como seja, por exemplo e simplesmente, mostrar Lisboa aos próprios lisboetas ?”

Chegados aqui, convém lembrar que “esta missão Pedagógica” que é a trave mestra do nosso trabalho, e o seu carácter de extroversão, afastava o GAL quer dos movimentos associativos quase exclusivamente elitistas e fechados como Academias, Sociedades, Associações e Grémios, quer das Associações de Cultura e Recreio  de caracter populista. O próprio nome escolhido – “Grupo”  -empresta à instituição (embora esta assuma a forma jurídica de associação cultural sem fins lucrativos), um carácter dinâmico e lúdico embora assente numa sólida base científica. Digamos que, não havendo ao tempo (se é que hoje há!) um meio de comunicação entre uma aristocracia do conhecimento e o homem comum, o GAL funcionou e funciona como uma assumida transmissão, de modo que se crie não uma “Opinião Publica”, mas sim uma “Consciência Publica”, no dizer de Pastor de Macedo. O nome atualmente funciona contra nós, sugerindo uma ligeireza que leva a que os menos esclarecidos nos tomem por uma coletividade de cultura e recreio.

Este carácter simultaneamente erudito e lúdico que referi, reflete-se no próprio logótipo, cuja imagem envio. É totalmente inspirado nas Armas de Lisboa, mas em vez de ter um rígido tratamento heráldico, o espírito é outro: o barco é mais curvo, os corvos são mais gordinhos, bem dispostos e seguram flores nos bicos, enquanto outras flores brotam da verga e animam o mar. O autor do logótipo foi o nosso sócio Almada Negreiros que tão bem interpretou este espírito do Grupo. Devo referir, a bem da verdade, que o gironado da bandeira tem as peças trocadas. É de assinalar o facto de que os fundadores do GAL, quando ainda faziam parte da A.A.P. inventaram um neologismo que é simultaneamente um cultismo. Tomaram a grafia latina do nome pré-romano de Lisboa – OLISIPO – e formaram a partir dele novas palavras como olisiponense, olisipógrafo, olisipófilo, olisipólogo (este inventado por mim), etc., mantendo, porém, a regra da fonética latina, segundo a qual, o S intervocálico de lê como S e não como Z.

A extraordinária diversidade de perfis dos fundadores e dos primeiros cem sócios explica largamente os contornos desta “ missão pedagógica”: eruditos, médicos, engenheiros, militares, jornalistas, publicistas, gestores, “proprietários”, comerciantes, empregados de balcão, funcionários, “bon-vivants” e outros para quem as tertúlias, os convívios, as refeições em grupo, as festas populares, etc. etc. eram realidades imprescindíveis que vão marcar a vida do GAL. Simultaneamente há o gosto por rituais associados a diferentes cerimónias: apresentação de cumprimentos ao Presidente da CML e a outras entidades; a presença em cerimónias de terceiros; a celebração de datas significativas como a da Reconquista de Lisboa, as solenidades de São Vicente e de Santo António e a piedosa missa celebrada por alma dos sócios falecidos, etc. Para quem compartilhar o seu espírito, o GAL é um mundo de comunhão com a Cidade e com os que, antes de nós, a amaram e defenderam.

(Archivoz) Considerando os 85 anos de história do Grupo dos Amigos de Lisboa, que ações gostaria de destacar da ação desta instituição?

(Salete Salvado) O GAL manteve-se sempre muito fiel aos princípios enunciados por Pastor de Macedo, dando-lhes forma com variadas atividades muito ao gosto dos vários “tempos” que medeiam entre 1936 e 2021, com diferentes contextos políticos, sociais e económicos. Os seus aniversários eram sempre celebrados com cerimónias especiais ou gestos simbólicos como romagens ao monumento de Júlio Castilho, oferta de conjuntos bibliográficos e estantes por parte de sócios, com exposições de Filatelia, Gravura e Pintura significativamente realizados no Palácio Galveias com apoio logístico do pessoal da CML. Concertos e tardes de Fado no restaurante “A Severa” também não eram esquecidos assim como a passagem de filmes e documentários sobre Lisboa. Os almoços e jantares precedidos de palestras de temática lisboeta também faziam parte das atividades especiais. Todos os anos, em Julho, mês da oficialização do GAL pelo Governo Civil de Lisboa e, também mês coincidente com o desembarque dos Cruzados em Lisboa, além de uma conferência na Sede ou de um almoço especial, era celebrada na Sé, frequentemente sendo oficiante o Bispo Auxiliar de Lisboa, uma missa por intenção dos Fundadores e dos sócios falecidos.  As fotografias que ilustram estas celebrações, publicadas no Olisipo mostram, no caso da Sede instalada no Palácio da Mitra, a Grande Sala de Conferências, linda com os seus azulejos e conversadeiras, repleta de sócios, seus acompanhantes e convidados. Era muito frequente que, quer nas ocasiões festivas ou mesmo fora delas, os sócios e sócias se fizessem acompanhar pelos respetivos conjugues e até filhos, o que é um facto relevante de caracter sociológico: a integração da família numa “família” maior que era o GAL. A Câmara constituiu quase sempre um forte suporte do GAL, até porque partilharam sócios, funcionários e dirigentes, embora esse suporte tivesse variado ao longo dos tempos. Por outro lado, o GAL, quer assumindo uma atitude concordante ou discordante em relação a atos da CML e em diversas matérias, emprestou ao conhecimento da Cidade uma dinâmica permanente que nem os Serviços Culturais nem os Serviços de Turismo, apesar do seu potencial técnico e económico, conseguiam acompanhar. A CML levaria decénios, empregando um batalhão de técnicos superiores e convidados externos, a aventurar-se na realização de passeios e visitas temáticas, ou ciclos de conferências temáticas sem continuidade. No tempo que decorre entre 1936 e o tempo presente o GAL foi editando um modesto boletim chamado Olisipo, originalmente para distribuição pelos sócios, que, simultaneamente com trabalhos de estudo e investigação os ia informando sobre as atividades e vida interna do GAL. Lado a lado com este manual informativo sobre a própria instituição e sobre a Cidade, as capas passam a apresentar imagens antigas de Lisboa ou desenhos de ilustradores consagrados de grande qualidade que, fornecem representações de uma Lisboa antiga ou até desaparecida, ou ainda um símbolo da modernidade citadina com inspirado desenho de Júlio Gil da então recentíssima Praça de Londres. Claro que a partir dos anos 60 o Olisipo sofreu a concorrência da colorida imagem renovada da Revista Municipal e novamente a partir de 1980 até ao desaparecimento da 2ª Série desta Revista, ficando o simpático boletim do GAL como única revista científica totalmente dedicada ao estudo de Lisboa. É de referir que a maior parte destes desenhos originais e assinados fazem parte do acervo iconográfico do GAL. Lado a Lado com a publicação do Olisipo, o GAL desenvolveu uma extraordinária atividade editorial sobretudo a partir dos anos 80 até 2013, altura em que a CML deixou de garantir a impressão e tendo desaparecido os patrocinadores. Entretanto as colaborações com editores como os “Livros Horizonte” cessaram na sequência da diminuição significativa do público leitor. Os anos das edições de grande qualidade gráfica, de exposições nas Salas do Castelo de São Jorge, de concertos na Igreja da Conceição Velha terminaram.

(Archivoz) Quais os principais projetos desenvolvidos no decurso deste ano (2021) e os que se encontram planeados para 2022?

(Salete Salvado) Desde 2020 que o antigo “Contrato Programa” com a CML foi substituído por um Protocolo a vigorar até 31 de Dezembro de 2022, com obrigações acrescidas. Em 2020 fomos obrigados a adaptar as atividades ás variações de regras decorrentes da situação de pandemia. Em 2021 voltámos a adaptar as atividades às novas situações, contando já com os resultados das experiências do ano anterior. A atividade do GAL abrange dois planos: o plano interno e o externo. No plano interno e com exceção dos meses de confinamento obrigatório, continuámos em 2021 a receber ofertas de móveis “vintage”, livros, quadros, gravuras e objetos de época. No plano externo mantivemos o formato habitual destinado a sócios e aderentes privilegiando os passeios de rua (espaço aberto) e as visitas de estudo a museus e palácios (espaço amplo). Correspondendo ao desejo dos sócios fizemos, na sede, a evocação dos 85 anos de vida do GAL. Realizamos com grande sucesso e significativa participação o colóquio “D. Manuel I  – Itinerário de um reinado”, nos dias 11 e 12 de Novembro, que foi solenemente aberto pelo vereador do Pelouro da Cultura da CML, Dr. Diogo Moura, e que contou com o eficiente apoio da CML. Se tudo correr bem, tencionamos acabar o ano com a tradicional Festa de Natal.

Para 2022, e contando com a experiência de 2021, teremos que fazer todas as adaptações necessárias, conforme as regras da DGS forem mudando. Para além do formato das atividades habituais com sócios e aderentes, temos que considerar a continuação do projeto, iniciado em 2021, da edição do “Cancioneiro de Santo António” que reúna 40 anos de quadras premiadas no Concurso, e o projeto dos “Olisipógrafos”, já iniciado aguardando formulação jurídica. Temos que considerar efemérides que coincidam com o ano ou transitem ainda de 2021. Temos, neste caso, a passagem de 160 anos sobre a morte de D. Pedro V, que tanto amava Lisboa; temos depois a passagem de 220 anos sobre a morte do Marquês de Pombal, etc. etc. Embora não esteja diretamente ligado a Lisboa, a descoberta do túmulo de Tutankamon, em Novembro de 1822, é uma efeméride de importância mundial a que temos de estar atentos. É de admitir que instituições como a Fundação Gulbenkian, o Museu Nacional de Arqueologia e outras não deixem passar em branco este acontecimento. Dentro das nossas limitações, iremos colaborar com terceiros de modo a que os nossos sócios tenham acesso privilegiado a estas atividades. Por outro lado, estamos muito atentos a exposições em Museus e Palácios sobre estes e outros temas.

Pessoalmente gostaria muito de retomar a nossa atividade editorial, publicando as atas do nosso colóquio já referido e ainda um número do OIisipo que reunisse alguns trabalhos apresentados em Colóquios até 2018 e a atualização da vida associativa. Sem entrar em aventuras financeiras será de estudar a utilização de novas tecnologias na nosso plano de trabalho.

Em último lugar, se não o primeiro, e apesar da pandemia, temos vindo a realizar  o animado Concurso das Quadras Populares de Santo António não só em 2020 e 2021 como o tencionamos fazer em 2022.

(Archivoz) Um dos problemas que afeta o Grupo dos Amigos de Lisboa, à semelhança de inúmeras instituições de utilidade publica, é o natural envelhecimento dos seus associados. O que tem sido feito nesse sentido de forma a tentar inverter esta tendência, quer ao nível diretivo, quer dos associados em geral?

(Salete Salvado) Os desafios que o GAL enfrentou em 2020 e 2021 tiveram um efeito muito negativo sobre a adesão de novos sócios e na vida corrente da instituição que não está tecnicamente preparada, nem os seus sócios, nem os seus funcionários de secretaria para soluções tecnológicas inovadoras, nem existe base financeira para as suportar. Aliás, pudemos constatar que outras instituições congéneres tentaram essas alternativas sem sucesso apreciável. Por outro lado, o distanciamento físico, que as novas soluções tecnológicas implicam,  põe em causa algumas das mais marcantes características do GAL: o contacto pessoal, o convívio, as formas lúdicas de participação.

É uma infeliz constatação a de que o associativismo está em crise, porque implica altruísmo num mundo cada vez mais egoísta. A diminuição do poder de compra dos nossos sócios mais idosos, frequentemente dependentes de pensões de reforma ou de sobrevivência, faz com que se vejam obrigados a pedir a cessação do seu vínculo. Por outro lado, os sócios mais jovens, mas ainda sujeitos às regras do mercado de trabalho e com uma nova mentalidade, entendem que a quota paga corresponde à oferta das atividades e não a uma filosofia subjacente de defesa da Cidade, se é que se apercebem das ameaças às matrizes identitárias da mesma que o GAL e os seus fundadores têm, tão dificilmente, tentado proteger. Para tentar inverter esta tendência, têm os dirigentes conseguido captar, com sucesso, jovens entre os 40 e os 60 anos para cargos de direção nos vários órgãos sociais, com perfis profissionais diversificados. Se a CML concordar em considerar as nossas atividades, nomeadamente os Colóquios, como ações de formação, poderemos talvez captar mais sócios não só entre os funcionários, mas nos perfis profissionais de guias-intérpretes. O meu mandato como Vice-Presidente do GAL termina em Março de 2023. Pertenço a uma geração muito ligada ao pensamento dos fundadores do GAL e à identidade deste, pelo que não consigo imaginar formas mais agressivas e eficazes de, com dignidade, conseguir novos sócios:  problema que a nova geração de dirigente irá conseguir ultrapassar.

(Archivoz) Um assunto que, infelizmente, marcou decisivamente 2020 e parte deste ano, foi o novo coronavírus (SARS-CoV 2) e a COVID-19, que colocaram novos desafios às instituições, fazendo com que os seus responsáveis e colaboradores tivessem de se adaptar a novas metodologias e formas de trabalhar. Procurando fazer uma análise desta nova realidade, que começou em meados de março de 2020, que balanço faz sobre a forma como o Grupo Amigos de Lisboa foi capaz de se adaptar e responder eficazmente a esta nova realidade?

(Salete Salvado) O GAL, perante os desafios colocados pela pandemia, respondeu conforme lhe foi possível tendo em conta os longos períodos de confinamento obrigatório, o perfil da maior parte dos nossos sócios e funcionários e as obrigações contidas no Protocolo vigente. Com exceção da edição de um número do Olisipo, que tem contornos técnicos e financeiros próprios, cumprimos todas essas nossas obrigações. Isto não significa que me contente com a situação atual ou que entenda que ela não possa ser ultrapassada em face da crescente utilização de novas tecnologias. Isso implicará mudanças estruturais em toda a vida do grupo que terão de ser cuidadosamente preparadas de modo a garantir a permanência da missão pedagógica e do espírito que o tem animado.

O distanciamento humano que parece estar na moda, lado a lado com a multidão incontrolável marcam o tempo atual. Falta algo no meio entre estas duas realidades e esse é o lugar do GAL. Não me parece que o tele-ensino tenha resultado bem e tenha contribuído, em termos gerais, para uma boa aprendizagem e para um saudável relacionamento mental, social e humano entre alunos e professores ou entre os alunos entre si. Uma coisa é fazer conferências e partilhar conhecimentos à distância, interpares outra coisa é ensinar, e a função do GAL, como foi repetido várias vezes, é essencial e fundamentalmente pedagógica. O GAL apesar de todas as contingências e insuficiências saiu-se bastante bem no plano das realizações. O mesmo não posso dizer no plano interno dos sócios e da captação de novos sócios. Houve desistências, diminuição de pagamento de quotas e reduzida adesão, o que, quanto sei, é um fenómeno generalizado e prende-se, como já disse à atual crise do associativismo.

Neste mundo atual, violento, egoísta e desumanizado é preciso ter a serenidade e a coragem de pensar que, da mesma forma que um país, se perder a memória das suas matrizes identitárias, morre; o mesmo acontece a uma Cidade, mesmo que seja mais antiga que o próprio país e tenha matrizes identitárias tão próprias que a tornam única.

Imagem cedida pelo entrevistado: Emblema do Grupo Amigos de Lisboa, desenhado por Almada Negreiros, um dos seus fundadores.


Entrevista realizada por: Paulo Jorge dos Mártires Batista

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