Renata Kessler é Mestre em Ciência da Informação e Arquivista, da entidade brasileira responsável pelas pesquisas em Saúde pública e tratamento de doenças, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Atualmente preside a Comissão Permanente de Avaliação de Documentos e gestiona o Serviço de Gestão de Documentos na Casa de Oswaldo Cruz.

(Archivoz) Conte-nos um pouco da sua trajetória até a Fiocruz.

(RK) Sou graduada em Arquivologia  pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e Mestre em Ciencia da Informação pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia (IBICT), estudei Organização e Representação da Informação e Gestão da qualidade na Especialização. Meu primeiro vínculo profissional como arquivista foi em 1998, no Serviço Social da Industria (Sesi-RJ).  Neste período trabalhei na biblioteca, no serviço de microfilmagem e no setor de protocolo e arquivo. Embora o Sesi  seja uma empresa privada tem uma relação bem estreita com o cidadão através da oferta de serviços de Educação e Saúde.  Depois passei a integrar a equipe do antigo Departamento de Aviação Civil (DAC) hoje denominado Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC), participando do projeto  Memória da Aviação Civil no Brasil desenvolvido no Museu Aeroespacial, nesta época participei da organização da documentação museal.

Hoje tecnologista em Saúde pública na Fiocruz  atuo na área de Gestão de documentos  e tenho vivenciado o extenso e árduo caminho na implementação de boas práticas de gestão, as novas demandas na formação profissional e na curadoria dos arquivos. Atualmente sou presidente da Comissão Permanente de Avaliação de Documentos e gestora do Serviço de Gestão de Documentos que integra o Departamento de Arquivo e Documentação da Casa de Oswaldo Cruz, área  responsável pela gestão do arquivo permanente da Instituição.

(Archivoz) Como surgiu seu interesse em Arquivologia e a História das Ciências?

(RK) O interesse em Arquivologia surgiu de uma forma curiosa, por meio de uma observação de uma amiga da minha mãe que era arquivista do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), ela me perguntou quais eran meus planos profissionais para o futuro, e respondi que não estava decidido. Então comentou que eu deveria pensar em Arquivologia, pois eu tinha características favoráveis como ser observadora e organizada, esta foi a minha escolha e hoje sou arquivista na Fundação Oswaldo Cruz.

Meu interesse pela  História da Ciência foi em decorrência do meu vínculo com o Departamento de Arquivo e Documentação. O escopo temático do arquivo permanente da Fiocruz é a Historia da saúde no Brasil e para o desenvolvimento das atividades que me foram destinadas foi necessário conhecer um pouco sobre a História das Ciências, e é exatamente este escopo temático que faz a diferença em atividades como a avaliação de documentos e difusão cultural do acervo.

(Archivoz) Como você define o papel dos Arquivos na Fiocruz?

(RK) Para falar do papel dos arquivos na Fiocruz não posso deixar de falar um pouco das atividades desenvolvidas na gestão do arquivo permanente e na atuação do Sigda (Sistema de Gestão de Documentos e Arquivos). A Fiocruz através da Casa de Oswaldo Cruz tem o compromiso com a constituição e preservação do Patrimônio histórico cultural da Saúde, e dentro deste universo temos os arquivos que compreendem parcela importante deste conjunto histórico. O acervo arquivistico reúne a produção  de documentos institucionais de caráter permanente, além dos arquivos pessoais de cientistas e sanitaristas, como Oswaldo Cruz e Carlos Chagas, estes arquivos foram inscritos no programa de Memória do Mundo da Unesco.

É importante também falarmos do acervo de história oral que é o resultado de projetos de pesquisa em História da Ciência e da Saúde que reúne depoimentos de atores diversos que atuam no campo da saúde, seja como profissionais ou comunidade do entorno. Esse trabalho é fruto da atividade de pesquisa desenvolvida no próprio Depatamento de Arquivo e Documentação, sem dúvida esta atividade é um diferencial já que é uma ação ativa na constituição do acervo.

Geralmente o arquivo permanente fica restrito ao recolhimento e captação de acervo por doação, neste trabalho é dada voz  a atores distintos que  trazem afetividade aos registros arquivísticos e permitem o registro de memórias pessoais que serão preservadas. O acervo reúne coleções de negativos de vidro, fotografias e documentos sonoros desde 1803 temos, ainda, ações de difusão do acervo e pesquisa  na área de documentação. Em relação ao controle da produção documental tem-se a atuação do Sigda como objetivo definir diretrizes para o tratamento dos arquivos corrente e intermediário, assim como diretrizes para a preservação dos documentos institucionais. Em resumo, as ações de gestão e preservação do documentos arquivísticos na Fiocruz tem dois focos de atuação: priorizar a eficacia e eficiência dos processos, através da padronização na organização de acordo com a legislação Federal, as normas do Conarq (Conselho Nacional de Arquivos) e as demandas internas; e o focar na preservação da Memória da Fiocruz e da própria História da saúde no Brasil.

A Fiocruz tem um compromiso institucional com a constituição e preservação do Patrimônio histórico cultural da Saúde e o arquivo, tem uma parcela valiosa neste missão. Todas as unidades da Fiocruz devem implementar as diretrizes emanadas do Sigda à fim de garantir a organização, tratamento adequado e destinação final da produção documental. E em análise mais ampla garantir que o conjunto de documentos permanentes seja recolhido ao arquivo permanente, assim o arquivo é um agente que promove o cumprimento da missão institucional de produzir, disseminar e compartilhar conhecimento para o fortalecimento do SUS.

(Archivoz) Qual é o maior desafio da Arquivologia atualmente?

(RK) Considero que atualmente a Arquivologia tem dois grandes desafios, o primeiro é a gestão e preservação de documentos digitais, mantendo as características e atributos do documento arquivistico. Este é um desafio que requer além do conceitual teórico arquivistico, um diálogo contínuo com a área de Tecnologia da Informação e uma qualificação acadêmica e profissional orientada para atender às demandas organizacionais e científicas.  O segundo desafio está no campo da ampliação do acesso e da difusão cultural é necessário uma interface maior entre os arquivos e o cidadão, criar estratégias de diversificar os usuários que visitam os arquivos. É fácil nos depararmos com um discurso de que o público usuário dos arquivos é diferenciado, que é restrito pela própria natureza dos arquivos, mas eu acredito que ações de Educação e Cultura para atender e dar voz as comunidades também devem ser uma preocupação dos arquivos.

(Archivoz) Como a Arquivologia pode salvar a Saúde pública em tempos de COVID19?

(RK) Pregunta difícil, será que tem resposta? Podemos partir do princípio  de que a Arquivologia tem como objeto documentos que registram evidências ou prova de que um evento ocorreu. Os arquivos são responsáveis por gerir e disponibilizar  registros de ações e experiências no momento imediato à  execução,  constituindo fonte primária para a reconstrução do passado e evidência de fatos. Em relação a atuação dos arquivos é um momento fértil para também pensarmos nas memórias individuais daqueles que enfrentam o momento de crise, seja como profissional da área da Saúde, na experiência do adoecimento ou no distanciamento social. Podemos dizer que este cenário impulsiona a  busca por investimentos em projetos de registro das ações de pesquisa e das vivências dos indivíduos no isolamento.

Na Fiocruz além da gestão da produção documental relacionadas as atividades de Pesquisa, Educação, Assistência à saúde e Produção de medicamentos e imunobiológico, foi iniciado um projeto intitulado Arquivos na Pandemia onde serão coletadas relatos de médicos, pesquisadores, estudantes e moradores do entorno. Estes relatos poderão proporcionar uma reflexão do momento  de crise a partir de relatos de experiências durante a pandemia.  Nesse contexto, podemos vislumbrar o desempenho dos arquivos em ações diferenciadas. É fato que os registros documentais são legados que permitirão identificar como governo e cidadão  vivenciaram a pandemia.

Podemos dizer que a Arquivologia trata de registros confiáveis, em tempo imediato a ocorrência da ação subsidiando a transparencia pública e as ações de fiscalização na saúde pública.  Os arquivos podem salvaguardar os registros oficias produzidos no âmbito das instituições públicas que serão  a memória da saúde  e “salvar” as impressões individuais daqueles que enfrentaram a  Covid 19.  E ainda oferecer informações de eventos epidemiológicos passados tanto a pesquisadores quanto ao cidadão que busca uma espécie de conforto em saber que no passado as epidemias, foram vencidas pelas descobertas científicas, pelas ações políticas e a solidariedade.  

Share This